terça-feira, 30 de outubro de 2012

Topo e base

Um partido ou coalizão de partidos que governa do topo e para o topo - grosso modo os 10% mais ricos mais uns 20% de classe média bem alta (incluindo aí os colunistas da imprensa) - vai, necessariamente, tornar a vida de 70% da população muito pior. Com o tempo os 30% do topo, mesmo beneficiados, vão ser obrigados a se refugiar em ilhas de proteção, mega condomínios fechados, veículos blindados, escolas particulares ultra caras, shoppings de luxo, segurança privada.... Esse cenário, claro, não é novidade no Brasil, tem sido o padrão dos diversos governos e partidos. Foi a opção clara de governo do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e seu principal aliado, a Arena/PFL/DEM. 

Além de um governo pros amigos, os ricos, tem aqui uma teoria política que diz que um governo deve ajudar os mais ricos e assim eles - os ricos - vão puxar o crescimento dos demais. Conversa fiada, claro. Beneficiada por reduções de impostos (ou olhos pouco rigorosos do leão da receita) e juros altos, a elite se aproveita pra aumentar os investimentos sim - mas não na produção, gerando empregos, mas no consumo de luxo, nas viagens pra Europa/EUA, nos carros importados caríssimos, e isso gera muito pouco de emprego ou recursos aqui pro Brasil. Isso tudo parece bastante óbvio, mas não é o que se costuma ver pelas explicações dos analistas de sempre, os que defendem e vão continuar defendendo as políticas que privilegiam os mais ricos - e jurando de morte quem tentar se meter nisso.

Lula se meteu e mudou isso no final do primeiro mandato. Com todos os problemas do Partido dos Trabalhadores, seu governo mudou a direção da bússula e passou a tratar dos 70% sempre deixados pra escanteio no país.  Com um conjunto de ações, como o bolsa família, aumento do salário mínimo, os programas como o minha casa minha vida e outros tantos, Lula colocou milhões de brasileiros, que antes não tinham condições pra comprar nada, agora incluídos na chamada nova classe média, classe C - e com isso movimentou a economia interna enquanto lá fora o mundo caia em crise. Não é por acaso que nos governos do PSDB o Brasil entrava no furacão quando uma marolinha aparecia lá longe, na Ásia. Governando para o topo o país não criava um mercado interno, dependento sempre lá de fora pra quase tudo. Lula inverteu isso e o furacão da crise lá fora resultou na marolinha aqui dentro (e não vi  ninguém da imprensa reconhecendo o erro quando Lula falou isso no começo da crise). 

Governando também pros 70% mais pobres o PT melhorou a vida de 100% dos brasileiros. Ou quase, tem muita gente lá no topo que não gostou de ver pobre melhorando de vida - e nunca vai gostar.  E olha que Lula nunca mexeu com esses 30% no topo, manteve os juros altos, continuou sustentando os grandes grupos de mídia, deixou a Veja falar todas as merdas de sempre.

Esse é o ponto importante - a melhora do país inteiro a partir do cuidado com a população mais necessitada -  e é o que escapa das pessoas que lotam as caixas de e-mail com campanhas tolas contra o bolsa família, Prouni, cotas e qualquer auxílio do governo aos mais pobres. Se não me engano o Jornal Nacional mostrou como denúncia uma família que recebe uma bolsa auxílio comprando geladeira e fogão, tipo vê se pode, folgados. Nunca vão entender nada. Quem entendeu foi o metalúrgico semianalfabeto, não o doutor em sociologia. Lula fez exatamente o que o intelectual FHC sabia que tinha que ser feito prum governo social democrata, mas não teve coragem de fazer. Ficou preso nos limites de classe (diria o Lukács),  nos estigmas da elite incapaz de olhar pros mais pobres.

Além disso vai ser preciso que se passem algumas gerações, mantido o caminho de justiça social, pra que os muros que dividem o mundo dos ricos e pobres comecem a cair de verdade e que a violência finalmente diminua - numa sociedade, vamos lembrar, fundada pela injustiça da escravidão, depois na miséria da maior parte de seus cidadãos e da violência em todos os lados.

Vai demorar, mas pelo menos começou. E quase ninguém da Folha, Globo ou Estadão vai tratar disso. Vão continuar tentando derrotar o cara como se a questão toda fosse o Lula e apenas isso. Lula e o PT cometeram muitos erros, mas governar pros 70% da base e não somente pros 30% do topo tá longe de ser um deles.

PS - Um dos erros do Lula e do PT é não deixar claro pra população que um governo que trabalhe pros 70% da base é um governo de esquerda, enquanto um governo que fica só no topo, com seus 30%, é de direita. Essa é uma das grandes diferenças entre esquerda e direita e ao não deixar isso evidente o PT corre o risco de ver a coisa personificada no Lula. Ou seja, outro cara, mesmo de um partido de direita, poderia fazer também. Sei dos problemas "marqueteiros" com o uso e os significados de termos como esquerda e direita. Sei do peso que carregam e que o eleitor não tá muito disposto a esse debate. Mas fugir dele, como até aqui tem fugido o PT, é correr o risco dum direitoso falar pro povo que vai fazer igual ao Lula, pra depois devolver tudo pros 30% do topo. Olha o susto com o Russomano aí.



Nenhum comentário:

Postar um comentário