sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Bola nas costas e amarelada do PT


Lembro que no começo do primeiro mandato de Lula em 2003, era discurso comum entre os petistas (e quem gravitava em torno) a necessidade de rever a política de regulação dos meios de comunicação. Entre uma série de motivos, o que imcomodava mesmo era a concentração do setor em poucas mãos, contrariando inclusive a constituição - como no caso do Grupo RBS que tem quase tudo de televisão, rádio e jornal no Rio Grande do Sul e Santa Catarina - ou seja, mesmo considerando todas as possibilidades, os "receptores não passivos" e etc, um grupo econômico determina o que é dito ou não e como é dito para população (ou boa parte dela) nestes dois estados e isso ainda importa, e muito. E as poucas mãos proprietárias definitivamente não iam com a cara do PT.

Porém a entrevista de Roberto Jefferson na Folha desencadeou o primeiro escândalo do mensalão e o governo dedicou-se mais a sobreviver do que mudar qualquer coisa - e, naquele momento, uma mudança radical na regulação da mídia poderia soar como retaliação autoritária aos que criticavam Lula na imprensa.

A partir do segundo turno com Alckmin em 2006 as coisas mudaram. Qualquer um que acompanhe as notícias nas revistas e blogues à esquerda tá cansado de saber todas as armas usadas pelos grandes veículos de comunicação - as tais balas de prata - pra defenestrar Lula, como fotos de dinheiro, suposto dinheiro em whisky de Cuba,  dinheiro na cueca, , sempre com PT e corrupção na legenda. Até Lula ao estilo gangsta rap apareceu numa foto na capa da Folha tipo mano na correria com a grana dos maurícios. Perderam e Lula ganhou uma força que não tinha e não perderia mais. Poderia, neste momento do segundo mandato, rever a concentração no setor de mídia. Poderia ao menos apoiar as iniciativas populares - como as rádios comunitárias - pra contrapor um pouco a hegemonia das corporações tradicionais. Porém Lula  preferiu, novamente, acomodar, acho que acreditando que quanto mais apanhava mais forte ficava e, com a vitória sobre Alckmin (e depois com Dilma ganhando do Serra) a campanha permanente da imprensa contra o PT - na aparência - já não machucava mais. Tremenda bola nas costas, numa metáfora futebolística tão a gosto do ex-presidente, que ainda vai cobrar a conta do PT.

Bola nas costas que mistura essa sensação de invulnerabilidade de Lula com outras motivações que posso especular aqui. Primeiro um desejo típico dos novos ricos de aceitação no clube dos quatrocentões. O PT ou sua cúpula parece sempre esperar esse momento mágico da aceitação - quando finalmente a imprensa fará o mea culpa e cairá de joelhos diante dos bons números do segundo mandato de Lula, recebendo com lágrimas nos olhos (ainda que de crocodilo) os novos donos do poder, convidados a fazer parte dos clubes de elite onde, se muitos petistas já são habitués há um bom tempo, parecem mais tolerados que outra coisa. E tolerância, diferente de aceitação verdadeira, tem prazo de validade. Né Zé Dirceu?

Segundo, uma amarelada mesmo, no melhor jargão do futebol. Parece mais fácil enfrentar os poderosos quanto se está no poder.  Mas é aí que se tem muito a perder. Deve dar medo aos petistas, colocados agora em posições importantes, levar a cabo propostas das décadas anteriores, ainda combativas e arriscar virar, inevitavelmente, a póxima capa da Veja com fundo em vermelho e um polvo. Deve assustar. Melhor assoviar, bradar indignação nos bares com os companheiros. Fazer o que é preciso pra mudar, nada.

O lulismo - como bem definiu o Andre Singer - não é o petismo muito menos dilmismo  e a série de fatores que provocaram uma intensa ligação entre Lula e as camadas mais pobres da população brasileira - além de setores que já simpatizavam com o PT (mesmo que parte grande da classe média, como aponta Singer, tenha saído da órbita do PT) dificilmente se repetiriam com outros nomes, mesmo Dilma e sua grande populadidade no momento. A aparente invulnerabilidade não vai durar e tende a dminimuir bastante conforme a influência de Lula perder a relevância, não amanhã ou depois, mas não ser presidente da república, quer Lula queira ou não, implica necessariamente em diminuição substancial de influência, mesmo com seu partido e sua protegida no cargo. O PT não é Lula e Dilma não é Lula. Quero dizer com isso que uma campanha permanente da imprensa contra o PT (e depois muito provavelmente contra  Dilma) não vai fortalecer o PT ou Dilma como fortaleceu Lula, a lenda não é a mesma e todo mundo sabe disso.

A agenda do primeiro turno das eleições municipais em 2012 acabou com qualquer dúvida de aceitação,  trégua ou autoreflexão dos meios de comunição que parte dos críticos esperava após a derrota de Serra em 2010. Não só essa autorreflexão não vai vir como o oposto é bem mais provável: sem Lula vão bater abaixo, acima, por dentro, por fora e do jeito que for possível pra enfraquecer Dilma e o Partido dos Trabalhadores. Até Lula, fora do poder ao menos formalmente vai ser enfraquecido. Diante desse cenário a acomodação do PT é vista, por exemplo, na colaboração de parte do partido pra abafar a participação da imprensa na CPI que investiga o Carlinhos Cachoeira ou na disposição dos petistas em dar entrevistas e assinar artigos nos mesmos veículos que se esforçam pra tirá-los do poder. Um espaço legítimo ocupado pela esquerda nos veículos conservadores, dizem os acomodadores que sempre têm algo a dizer. Prefiro pensar em um exercício de ego petista que vai de encontro a necessidade de falsear a pluralidade destes veículos - a conta fica assim: num jornal 10 colunistas batem no PT. As capas todas tem manchetes (como a onbusdman da Folha apontou) enviesadas contra o PT, mas a Marta escreve uma vez por semana e temos a tal pluralidade. E a coisa se repete nos outros veículos - desde que não haja exagero, como mostrar o avanço das políticas de inclusão social sob Lula, que causou a demissão de Maria Rita Khel do Estadão. Na Veja acho que ninguém remotamente ligado às esquerdas participa. Eu é que não vou chegar perto da revista pra conferir.

Dilma começou seu governo entregando a cultura ao Ecad, cortando os poucos avanços de Lula na regulamentação das comunicações e visitando sorridente as sedes da Abril, Folha e Globo (convidada pelo Louro José). Não creio que alguém que encarou a luta armada contra ditadura e ficou anos na cadeia sob tortura possa ser chamada de covarde, mas o debate sobre a importância da cultura é antigo nas esquerdas e Dilma parece ter a visão comum, à direita e à esquerda (parte, ao menos), de que crescimento econômico por si só garante apoio político. A cultura, nessa visão (e que parece determinar a política atual) é assunto menor e vai a reboque do desenvolvimento. Erro grave quando parte expressiva dessa cultura ganha sobrevida graças as "parcerias" com o grande capital através da Lei Rouanet. E uma cultura hegemônica reacionária vai necessariamente redundar em escolhas eleitorais reacionárias - sim, sei que a conta não é matemática, não é exata, mas não é desonesto supor que um ambiente cultural cada vez mais reacionário vai beneficiar, nos momentos de manifestações públicas, como o voto, os que justamente se sentem "em casa" nas capas da Veja e no Jornal Nacional. Se não garante vitória, mantém no páreo muito candidato cuja retórica faz inveja a qualquer general de pijamas num dos encontros patéticos do clube militar.

E esse movimento se dá em dois sentidos: o mais óbvio é a escolha de candidatos abertamente reacionários pelo eleitor - e a roupa fascista vestida por José Serra dá medida dessa escolha. Noutro sentido os partidos de esquerda sentem necessidade de agradar as faixas reacionárias do eleitorado, suavizando seu discuso, amansando e, com o tempo, acovardando-se a cada buuuhh das bancadas ruralistas e religiosas contra propostas minimamente necessárias para preservar o meio ambiente ou acabar com o uso de um livro de mitologias da antiguidade como legislador do que pode ou não pode pra "família brasileira". Covardia é a chave aqui. E nisso o PT tem se mostrado sempre solicito, aceitando, por exemplo, que os adeptos do livro mitológico obstruíssem a distribuição de material contra homofobia pelo Ministério da Educação. A manobra covarde deu status e importância ao pastor Silas Malafaia, homofóbico ao extremo e "vencedor" na campanha que moveu contra o que chamava kit gay (esse povo acha que qualquer coisinha faz alguém "virar gay", eu heim, que medo, coceira no forevis diria Muçum).  O Malafia fortalecido pela covardia do PT agora berra sua raiva pra destruir...o PT e Haddad em São Paulo. Bola nas Costas é exatamente isso.

Enquanto isso o governo do PT continua com sua Polícia Federal ainda dedicada a fechar rádios comunitárias e a garantir o monopólio da informação pra quem quer acabar com o PT. E o problema aqui, pra mim, não é o PT ou o fim do PT, mas os ataques ao partido são justamente ataques dos setores hegemônicos a qualquer tentativa de mudar os princípios da cartilha (neo)liberal que construíram o caráter da mídia e seus jornalistas e ainda pautam as coisas aqui, mesmo depois de tudo ter dado errado no mundo por causa dessa cartilha. Conforme relatório da SECOM do governo federal é o próprio governo petista que dá sustento a mídia hegemônica com os gastos de publicidade do poder público e das estatais. Parabéns, dar a outra face não está no tal livro de mitologia? Dar a outra face e ainda pagar pra apanhar mais já cai na esfera do fetiche, da roupa de couro e chicote. Aos que argumentam que essa escolha é técnica, tomada conforme dados de níveis de audiência ou vendagem blablabla,  não é bem assim e é justamente a concentração do setor que se traduz em audiências altas, um circulo viciado que com internet e outros meios poderia ser quebrado. E sobre os dados que justificariam os gastos com publicidade em determinado veículo, conheço três pessoas que não conseguem parar de receber Veja, e de graça, já tentaram cancelar a assinatura várias vezes e não conseguem. Muitos outros devem estar nessa situação. Com certeza estão na conta de tiragem da revista usada pra justificar a publicidade do governo federal e das estatais.

Leio na manchete do UOL que uma segunda fase do julgamento do mensalão vai investigar a relação de Daniel Dantas - o cara da privataria tucana que ninguém nunca fala na grande imprensa - com o... PT. Bem feito de novo, pro partido aprender que se ficar apanhando quieto vai acabar, junto com o PFL, nas listas de extinção (quem imaginava o PFL extinto 15 anos atrás?).  Não apanhar quieto neste caso não é ficar berrando contra a imprensa nos comícios, muito menos fechar jornais ou perseguir jornalistas, mas fazer de fato uma reforma na regulação do setor, acabar com a concentração, fortalecer projetos comunitários ao invés de criminaliza-los, promover formas de democratização e acesso a filmes e livros ao invés de colocar o Ecad dentro do governo, oferecer conteúdo alternativo e de qualidade sem preocupação com audiência na TV Brasil.... Esse seria um destino muito mais inteligente pra imensidão de dinheiro público até aqui tradicionalmente torrado com campanhas publicitárias desnecessárias e que sustentam os donos da mídia. Oito anos de Lula e dois de Dilma não indicam quase nada nesse caminho, só a amarelada de sempre. Quando a derrota grande vier e a fúria eugenista da imprensa agir livremente pra "limpar" o cenário dos políticos petistas, quem teve toda chance de desconstruir esse cenário vai ficar chorando pra ninguém.

PS - Cabe aqui uma emenda. Não me importaria nem um pouco com o fim do PT se este fosse determinado à esquerda, por exemplo com um novo partido que representasse melhor os movimentos sociais, os trabalhadores, as minorias e os miseráveis - que não tremesse a cada gritinho histérico dado pelos reaças sempre que um movimento em direção a justiça social é sequer proposto. Não vejo isso possível tão cedo, infelizmente. A oportunidade histórica está(va) com o PT e sei com certeza que seus críticos nas corporações de mídia querem exatamente o que eu não quero: acabar com os movimentos sociais, criminalizar a pobreza, explorar as minorias pelo ódio ou pela ridicularização. Se o PT já não é meu partido há muito tempo, é quem ainda pode impor - pela expressiva força eleitoral conquistada - aos donos de tudo uma derrota muito mais profunda do que um ou outro revés eleitoral. Mantidas as estruturas de dominação (como a citada, repetida e recitada concentração da mídia em poucas corporações) cedo ou tarde os donos de tudo vão poder contar novamente lá no planalto com um membro do café society - desses legítimos, com DNA de rico, como diriam numa entrevista descontraída pro Amaury Jr (o do botox, não o da privataria), copo de whisky na mão, frases sem sentido de quem bebeu muito e o riso meio débil de quem sabe que sempre vence no final.

Nenhum comentário:

Postar um comentário