segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MORTOS e mortos

Dando uma passada de olho na Folha de domingo, encontrei um artigo do João Paulo Charleaux muito claro sobre as diferenças de tratamento na mídia brasileira das catástrofes lá fora - pra não dizer puxasaquismo tosco e preguiçoso (isso é meu, não do Charleaux). Ele mostra que o furação Sandy matou quase setenta pessoas no Caribe antes de chegar nos EUA - e ninguém falou disso na imprensa daqui. Chegando nos EUA, só deu Sandy nos nossos jornais. Charleaux cita uma antiga piada de redação pra ilustrar a diferença de pesos na cobertura: um americano assustado equivale a uns 40 centro-americanos mortos ou uns 50 corpos africanos e por aí vai. 

Lembro que depois dos atentados de 2001 algumas cartas com pó branco assustavam muita gente nos states. Poucas dessas cartas continham realmente o antrax, que podia mesmo provocar a morte de quem tinha contato com a carta. Após a segunda morte (de um total de 5 ou 6) imprensa e políticos já cobravam a quebra da patente do remédio pra tratar do antrax. Justo, sem dúvida. O problema é que enquanto isso milhões morrem todos os anos nos países pobres por doenças como Aids, malária, chagas, dengue, tuberculose.... e o governo norte-americano sempre se opôs duramente contra qualquer tentativa de quebrar patente pra reduzir os custos com o tratamento dessa doenças. Nessa conta, um norte-americano morto por antrax é mais importante que milhares de africanos, latinos e asiáticos mortos por doenças da pobreza. E essa diferença na balança de pesos de vidas não parece escandalizar a imprensa em lugar nenhum. Americano morrer é tragédia. Pobre morrer é da vida, acontece.

Outra coisa notada pelo colunista é o jornalismo pautado pelo que interessa lá, não aqui - não produzimos aqui conteúdo, apenas replicamos o que nos EUA se entende como prioridade. É o popular jornalismo colonizado, que ainda atende as ordens dos colonizadores. Entre tantos e tantos exemplos dessa postura servil, lembro da cara embasbacada do William Waack entrando num porta aviões norte-americano ancorado no litoral brasileiro. Parecia um criança entrando na Disney, deslumbrado, sem saber direito pra onde olhar. Metido a historiador militar, o apresentador do jornal noturno da Globo deve ter sentido espasmos de emoções com a força das armas ali dentro. Parecia qualquer coisa menos um jornalista brasileiro entrando numa imensa arma de guerra extremamente poderosa (na verdade mais poderosa do que nosso poderio militar inteiro) e enviada pra nossas águas - olha só - logo depois das descobertas de petróleo no pré-sal.

Falando em pesos e medidas, quer o Waack, a Globo, Veja e Folha queiram ou não, quem acompanha publicações internacionais sabe que o peso do Brasil agora é muito maior. Isto pode ser bom, pode ser ruim. Eu mesmo não tenho saco pra essa obsessão com uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, mas é fato que o país vai ficar mais próximo das questões que movem a política nos quatro cantos do planeta. Isso pediria jornalistas dispostos a aprofundar a crise Israel-Irã, o avanço da China, o imbróglio todo Afeganistão-Paquistão-AlQaeda, a tirada do Lugo no Paraguai.... e isto do nosso ponto de vista, não do ponto de vista do Departamento de Estado dos EUA, como tem sido até aqui. Quanto mais rápido o Brasil cresce em importância no cenário global, mais visível fica essa pobreza mental do jornalismo servil. E vai ser duro formar uma geração nova de jornalistas que entenda essa mudança no papel do país. Tá tudo dominado, como diria o filósofo do Bope.

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