quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Da série o que dizem e o que deveriam dizer

Palavra: polêmica

O que deveria dizer: é quase uma arte onde o artista é o polemista, a pessoa que, por argumentos, provoca um debate. O polemista lança conceitos inéditos ou insuficientemente explorados até então, sai do convencional e, ao provocar, cria um ambiente intelectualmente ativo, exigindo respostas criativas, causando controvérsias que, numa perspectiva dialética, são capazes de descontruir um tema pra que o assunto ressurja com outra face, mais profunda, complexa. Uma complexidade que resulta natural de uma ação polêmica saudável e bem construída. São muitos os exemplos de grandes polemistas que engrandeceram o pensamento com a exposição de suas idéias - e defendendo-as dos ataques de polemistas do campo oposto. Edmund Burke combatendo as idéias da Revolução Francesa. Karl Marx apontando as contradições do capitalismo, Raymond Aron criticando, por sua vez, o marxismo. A filósofa judia Hannah Arendt discordando do papel das liderenças judaicas na Alemanha nazista, entrando em choque com muitos de seus amigos até o fim da vida. Mais recentemente temos Christopher Hitchens e seu julgamento de Henry Kissinger por "crimes de guerra". Depois o mesmo Hitchens defendendo as invasões de Bush Jr. ao Iraque e Afeganistão. Novamente Hitchens, agora junto com Richard Dawkins em suas defesas do ateísmo, criticando as diversas religiões. Por aqui, Nelson Rodrigues escandalizando as esquerdas com seu reacionarismo assumido e, ao mesmo tempo, expondo em crônicas e peças de teatro as hipocrisias (e patologias) da família burguesa tradicional. Maria Sylvia de Carvalho Franco e Alfredo Bosi falando que as idéias estão no lugar, em oposição ao famoso diagnóstico de Roberto Schwarz de que as idéias estão fora do lugar - em alusão à adoção de idéias liberais por uma elite que permanecia escravocrata. E por aí vai. Em comum, mesmo em lados opostos, todos, pela polêmica, mobilizaram um imenso conteúdo cultura pra acrescentar algo ao mundo das idéias - e influir no mundo real.

O que diz: hoje em dia qualquer imbecilidade sem nexo dita por uma das subcelebridades do momento (do dia, porque ontem era uma diferente e amanhã será outra) ou um jogador de futebol é tratada nos portais de notícias como polêmica. Assim se uma idiota posta uma foto posando de gostosa em meio a destruição do furacão Sandy, a idiota é chamada de polêmica - e consegue aparerecer em tudo quanto é notícia. Dia ganho, diria Dirty Harry. Um jogador de futebol ofende alguém com uma das dancinhas ridículas - que agora é moda pra comemerar um gol, isso é polêmica. Um cara no Big Brother amassa uma das minas, polêmica. E o pior é que essas figuras se anunciam publicamente como polêmicos, com orgulho.

Por que desconfiar: Os polêmicos da moda só são mantidos pelo atual estágio do jornalismo, que vive de polêmicas vazias, sem idéias, sem cultura, sem acrescentar nada. Enfim, sem polêmica (a que deveria ser). Ao tentar trazer a agilidade da internet pros seus portais, optou-se por atrair o leitor mais superficial, que não quer ler nada longo e complexo, quer é ver notícias dos famosos polêmicos. Se a famosa tiver se descuidado e, acidentalmente, pela vigésima quinta vez neste ano, mostrar algo a mais prum fotógrafo que, por sorte, passava por perto, também pela vigésima quinta vez, melhor. Polêmica, vão dizer. Basta ver os destaques, as notícias mais lidas. E este tipo de cobertura já não é mais exclusivo dos portais, o mesmo padrão domina as versões impressas e eletrônicas dos jornais, com analistas políticos dignos do TV Fama. Ahh, ficar gritando petralha, petralha não faz alguém virar um polemista, faz virar papagaio do patrão.

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