quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Bebo sim, mas não preciso ser um cretino

Dizem meus amigos da publicidade que o Brasil é "primeiro mundo" no ramo. Um montão de Leão de Ouro em Cannes e outros prêmios tão aí de prova. Começa que primeiro mundo é um termo tolo, classemedista afetado, que geralmente é dito por quem não conhece mundo algum, mesmo que viaje um montão. Descontando a afetação, lembro sim de muitas propagandas boas, criativas e divertidas feitas aqui. Porém, meu contato com televisão nesses tempos limita-se aos jogos de futebol e corridas de F1. Confesso que não sei bem a quantas anda a propaganda feita atualmente no Brasil e, num esforço, não consigo lembrar de nada particularmente bom feito recentemente. Como não fico vendo TV, posso ter passado batido.  Mas sei muito bem, pelo conteúdo que vejo, que sou alvo preferencial de um tipo de anúncio que, ano a ano, consegue bater o próprio recorde de estupidez. Sim, os infames comerciais de cerveja.

Sempre que vejo uma das novas peças, fico imaginando uma reunião da agência de publicidade - a culpada pelo que acabou de passar na tela. Uma agência dessas fodonas, dona de uma das megacontas do setor de bebidas, como a conta da (In)Ambev e suas marcas todas: Antarctica, Brahma, Skol. Ou a conta da Schincariol, agora japonesa, da Kaiser, Sol.... Cada conta dessas deve injetar um caminhão de grana nas agências, puta responsabilidade pros publicitários, necessidade de montar uma boa equipe. Então penso nos caras da criação reunidos, depois das várias etapas que uma idéia percorre até ficar pronta pra primeira exposição, os clientes na frente da tela grande, luz apagada, aperta o play. Início das propostas pra aprovação e....infalível. Tão lá:

1) as gostosonas de biquíni.
2) a molecada - todo mundo tem 20 anos - festando, sempre, na praia, churrasco, bar, balada...
3) a molecada festando sempre, falando de mulher gostosa e se comportando como quem tem 13 anos.
4) e, enfim, a cerveja da marca, pra mostrar que a molecada que fica  festando sempre pode contar com ela, pro que der e vier.

E as centenas de variações do mesmo tema. 

Será que não vai ter uma bendita agência que vai dar um chega nessas baboseiras? Ou um desses megaexecutivões, do lado dos clientes, pra dizer o óbvio: escuta, com a grana toda não dava pra fazer uma proposta melhorzinha não? Gosto de pensar que quem bebe minha cerveja não é um zumbi completamente estúpido. Não sei quem nasceu primeiro, a proposta cretina ou o cliente querendo sempre algo cretino na proposta, mas tenho certeza que uma agência que rompesse esse círculo idiotizante, com uma proposta nova, mudaria o rumo das coisas, faria a tal da diferença. Não é essa a meta dum bom publicitário? Fazer diferente?

No exemplo abaixo, ao invés de bater no peito e gritar alto como somos cretinos e adoramos ser dessa forma, a agência brinca, de forma simpática, com a imagem abobalhada dos bebedores de cerveja.


A princípio, nem parece tão diferente. Tem festa, mulheres e bebedores de cerveja abobalhados (faltou os biquínis). Mas é, no fundo, completamente diferente do que vemos aqui. Tem um detalhe chamado inteligência.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ao vencedor, o açucar.


Não importa. Tanto faz. Pouco adianta. Todas as lutas, as batalhas vencidas, o suor derramado em cada uma delas. Pra não dizer do sangue. Só não falo das lágrimas pra evitar cair de vez na cafonice do Winston - onde já estou meio atolado aqui. As derrotas, doídas, remoídas, mas, uma a uma, revertidas nas vitórias seguintes. Rumo ao gran finale, a vitória das vitórias, a batalha que define a guerra. Ou assim parecia. Não importa sua dedicação, sua confiança inabalável, a frieza nos momentos mais tensos, a precisão dos movimentos, a agilidade obtida nos anos de treinamento pesado. Tampouco fez diferença o tempo gasto lendo todas as versões de A Arte da Guerra, do Sun Tzu - comentadas por gente como o Nicolau Maquiavel, o Felipão, um executivo de vendas ou um participante dum reality show. Também não foi de grande ajuda estudar as partidas clássicas dos mestres do xadrez, o Kasparov, o Fisher, Karpov, Capablanca. O livro História das Guerras então, tava no lixo, devia ter ficado lá. Tempo que nunca mais volta. Os inimigos sim. Eles voltam. De nada serviu a criação de um complexo serviço de inteligência que prometia antever os movimentos inimigos. Na hora H, nenhum informante, cultivado ao custo de tantos agrados, informou coisa que preste. Aconteceu. Teria acontecido, mesmo se fosse tudo feito diferente.

Não se trata aqui de uma glorificação do conformismo. Uma recusa, a priori, da ação. Ninguém tá festejando a certeza da derrota, mas constatando, com alguma amargura, o que virá. Na tradição do pensamento cínico, que interpreta e tenta compreender, dispensando julgamentos morais. Ao final, do cinismo prevalece o apocalipse desesperançoso adorniano, rendido, impotente. Mas é isso. Não adianta. As formigas voltam. Pode limpar tudo direitinho, usar o mais caro produto de limpeza. Pode passar dias, meses, anos, arrastando móveis, procurando o local da infestação. Pode meter aquele veneno que promete milagres. Não adianta nada colocar o açúcar e doces em potinhos hermeticamente lacrados. Redução de danos, adiamento. Quando tudo parece placidamente resolvido, livre, elas voltam. Elas sempre voltam. Sossega. Pega lá uma latinha de cerveja. Bem gelada. Não perde tempo não.
Da série: Pensamentos em voz alta de um dono de casa.

sábado, 17 de novembro de 2012

Outros motivos

Passei um bom tempo na internet observando o que acontecia lá nos EUA. Além da importância que (ainda) tem um presidente americano, teve toda guerra retórica, sempre divertida - meio chanchada, meio tragicomédia - entre republicanos e democratas. Os debates todos (lá tem debate, aqui, com essas regras chatas, não tem) e as gafes e mais gafes dos republicanos. Relembrando, teve um pré-candidato que disse (acho que o Rick Perry), enfático, que, eleito, fecharia imediatamente três grandes agências federais. Quais? Ele esqueceu. Pegou a mesma receita do médico da Vanusa. O Romney, já debatendo com o Obama, reclamando que as forças armadas já não têm tantos navios como noutros tempos, nos anos 40. O Obama olhou pro Romeny e falou: sim governador, temos menos navios, menos cavalos, menos baionetas, as guerras mudaram. Putz, acho que foi o melhor direto que vi desde que pararam de passar boxe na TV. E o Stewart, o Colbert e o Maher tavam lá pra se aproveitar das qualidades todas dos candidatos. O Stewart, tentando entender como um panaca como o Romney conseguiu ser o candidato republicano, mostrou um vídeo com os "melhores momentos" dos outros pré-candidatos republicanos, o Grinch, o Perry e o Santorum. Páreo duro, todos muito, mas muito imbecis. Concluiu o profético Stewart, o Obama é o cara mais sortudo do mundo. O Bill Maher tirou sarro dum dos fetiches das coberturas eleitorais, os indecisos. Tinha gente seguindo esse pessoal, reunindo os caras pra ver o debate, sempre passando o idéia de que eles ainda não tinham decidido porque pensavam mais, são mais profundos. Mahler disparou: tem um cara que tá aí na presidência por quatro anos, o outro é candidato há décadas, e, faltando menos de uma semana pra eleição, depois de tudo que já foi debatido, essas pessoas ainda precisam de mais argumentos pra decidir entre um e outro? E querem me dizer que esses são os eleitores mais inteligentes?

E, não fosse motivação o bastante, teve, nas coberturas ao vivo, essa moça.


Alicia Menendez.


Parece que já trabalhou na FOX News, e com o Bill O"Reilly! Agora moveu-se à esquerda. O que não é exatamente difícil pra quem saiu da FOX, basta não entrar prum grupo ariano de supremacia branca. Passou pela MSNBC e agora vi sua cobertura (ops) no Huffington Post.


Um dos efeitos colaterais dessa cobertura no Huffington foi ficar meio disperso - e sem precisar do remédio da Vanusa e do Perry. Qual era afinal o assunto do debate que acabei de ver? Me perdi. No primeiro debate com  Romney, o Obama deve ter ficado olhando pro monitor do Huffington Post. Ficou aéreo, desligado, só faltou cantar o hino nacional brasileiro.



Alias, quem eram os candidatos mesmo? Disputavam o quê? Nada de importante. Com a Alicia apresentando, qualquer assunto fica em segundo plano. Até meu inglês precário. Tão precário que tudo que entendi e coloquei acima pode ter sido bem diferente, provavelmente o oposto. Menos a Alicia.

PS - Post feito, não por acaso, num sábado. Influência óbvia do clássico Porque hoje é sábado, no Milton Ribeiro. Pena que a Alicia não seja tão desinibida. Pelo menos que eu tenha visto.




sexta-feira, 16 de novembro de 2012

É autocrítica, estúpido?

Lá, como cá, me divirto muito com a cara de bunda dos comentaristas conservadores depois de uma derrota eleitoral. Passei esses dias vendo os vídeos dos melhores momentos da FOX News na cobertura da eleição presidencial. Eis alguns pontos altos, o the best of, só o filé:

1) Karl Rove negando a derrota de Romney, ao vivo, pra espanto até dos seus colegas de emissora - com todo mundo já dando parabéns pro Obama, reeleito naquele momento por todas as projeções. A apresentadora da FOX, diante da certeza de Rove na vitória republicana, levantou e foi na salinha falar com os estatísticos perguntar se tinham alguma duvida da derrota republicana, 99,9% de certeza um deles falou. Um parentese, como lá é uma zona total, com cada estado com um jeito próprio e uma apuração sem fim, e a decisão é no colégio eleitoral, esse negócio de projeção dos resultados é levado muito a sério, os caras viram astros, dão um monte de entrevistas. Aqui como não dá nem tempo de fazer projeção, a apuração dura meia hora, esse papel de guru fica com os caras do Ibope, Datafolha e Vox Populi - e somente antes das eleições. E o Rove ainda negando, "será um vitória republicana". A apresentadora - da FOX News! - vira pra ele e pergunta: isso confere com a realidade ou é só pros republicanos não ficarem depré? (tradução bem livre, mesmo, nem lembro o que ela disse, mas era nesse tom).

2) Bill O'Reily e Sarah Palin, apresentador e comentarista da casa, tavam lá pra explicar que a América não é mais branca - caras de velório. Sim, vão culpar os nordestinos lá também - no caso negros, latinos, asiáticos, mulheres, jovens não-brancos... Até o Sandy (o furacão) culparam, dizendo algo como caiu no colo a chance do Obama mostrar serviço, sortudo. Esquecendo-se que Bush teve o Katrina e mostrou ali, na prática, o que os republicanos querem dizer com ausência do Estado - ou danem-se os pobres. 

3) Sequência de especialistas da FOX, todos consternados, mostrando levantamentos demográficos, mais latinos, mais asiáticos, negros. Meu deus, pavor. Eles querem algo, diz O'Reily, muito abatido. Que coisa estranha não? Quem vai dar? Pergunta O"Reily. Obama, ele mesmo responde. Pois é. Autocrítica? Não, claro. Vão demonizar as minorias, que querem algo.

E aqui uma grande diferença entre lá e aqui. Jon Stewart e Stephen Colbert. Humor político ácido, engraçado e de esquerda. Sim, existe. Quem acompanha humor (ou o que classificam disso) por aqui não deve saber o que significa.  Cada um tem seu próprio modus operandi. O Stewart pega um tema e mostra as declarações dos republicanos e apresentadores da FOX, deixando que eles mesmo se exponham ao ridículo - claro que ele ajuda isso, geralmente imitando o jeitão do cidadão que falou por último e exagerando ainda mais as bizarrices ditas. Num exemplo: a apresentadora da FOX fala, casualmente, como "conseguiram" colar a imagem de pró corporações, pró ricos, em Romney. Como se isso fosse uma esperta e injusta estratégia de marketing democrata. Apenas isso. Stewart então contrapõe com um video editado com os republicanos todos dando declarações pró corporações, pró ricos. E não precisou nem falar dos tais 47% do desastroso vídeo do Romney. Colbert tem uma abordagem interessante, simula ser um típico idiota conservador, desses ultrapatrióticos - parece até o American Dad do desenho (e aqui lembra um pouco o a fórmula de ironia do nosso Professor Hariovaldo Almeida Prado, no seu blog) - pra demolir os pontos martelados pelos republicanos e a FOX News. Colbert e Stewart, além de uma ótima turma de redatores, mostram um desempenho muito bom pro tempo das piadas, quase sempre feitas sobrepondo imagens reais de reportagens e comentários do seu alvo preferencial, a FOX. Resumindo, são grandes humoristas - e usam isso pra desconstruir o discurso conservador.

Voltando a cobertura, ao final, o grande cliché explicatório da reeleição do Obama é o das tais mudanças demográficas. Nesse argumento, repetido o tempo todo na FOX News, Obama só ganhou por causa dos votos das minorias - e estas crescem ano a ano e, somadas, já ultrapassam os brancos. Não por acaso o mesmo argumento, acrítico, foi repercutido pelos repetidores de sempre daqui. O Sérgio Dávila, na Folha, usou o originalíssimo título É a demografia, estúpido - na milésima quinquagésima terceira paráfrase, neste ano, do famoso bordão "É a economia, estúpido", do James Carville (a Cantanhêde, mestre em reciclar material já aproveitado à exaustão, deve ter ficado puta com o chefe, aposto que já tinha algum artigo com algo assim, originalíssimo, no título, mas tudo bem, ela pode usar, se já não usou, agora no "julgamento do século", tipo: é o mensalão, estúpido. É o Barbosa, estúpido. É o domínio do fato, estúpido....). Não, não é a demografia, Dávila. É a adesão do candidato republicano ao discurso conservador mais tosco do Tea Party que assustou os eleitores. Exatamente como ocorreu com o candidato da Folha aqui, o Serra (e, sejamos justos com o Dávila, ele menciona isto, dizendo que lá, como cá, republicanos e tucanos ficam esperando um país que se adapte aos seus desejos, e não o oposto). As minorias não têm com Obama nenhum contrato de exclusividade, ou com os democratas, ou com o PT aqui. Os latinos, ao contrário, têm tradição de voto em republicanos. Agora se o cara do Partido Republicano prega linha dura contra imigrantes, principalmente latinos, adivinha se vai ganhar os votos deles. Até cubanos anti-castristas da Flórida votaram no Obama. O Romney defendeu abertamente o fim - ou a privatização, que dá no mesmo - das agências federais responsáveis pela defesa civil em casos de catástrofes. Vem o Sandy e Obama faz o óbvio, oferece todo apoio do governo federal às vítimas, no que recebe entusiasmados agradecimentos até de um governador republicano. Pra quem se inclinariam a votar os atingidos pelo Sandy? Pra quem votariam os negros atingidos pelo Katrina - e deixados na mão por Bush Jr.? Se o Romney e seu vice, Paul Ryan, pregam o tempo todo pros brancos "de sucesso", atacando qualquer auxílio do Estado aos cidadãos (os não tão bem-sucedidos), em quem vão votar os que recebem algum auxílio? E não são aproveitadores, como os republicanos pensam - e deixaram escapar em vídeos, são pensionistas que contribuíram a vida toda, são veteranos de guerra, pessoas com problema de saúde...E olha que o Obama deixou de fazer tanta coisa nesses quatro anos que quase conseguiu perder. Pro Romney!

E os analistas acham muito estranho que votem em Obama. Lembra, no nosso caso, aqueles tuites e posts do facebook depois da vitória da Dilma, xingando nordestinos, pedindo pra afogá-los - né Petruso. Pessoal maluco, votar em quem melhorou suas vidas e não no cara que quer tirar tudo - e ainda os chama de burros. Como os analistas tão sem idéias novas faz tempo, ficam nessa de pegar qualquer coisa e então colocam uma vírgula e acrescentam estúpido no fim. E pronto. Tá explicado. Seria até uma boa autocrítica, se a idéia fosse essa. Funciona como autocrítica involuntária, com seu onipresente estúpido no fim, ali, acusatório, olhando pra cara de quem escreveu.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Motivos nada ocultos: por que ainda ler a Folha?

Do Jânio de Freitas, na Folha:

O que quer que esteja sob o nome de mensalão não ameaçou a democracia nem o regime, como Joaquim Barbosa voltou a enfatizar. Mas é um retrato grave das complexidades deformantes que compõem o sistema e a prática da política brasileira. No seu todo adulterado e não só na particularidade de um caso tornado escândalo, contrária ao aprimoramento do regime e ao desenvolvimento da democracia. Daí que o mal denominado julgamento do mensalão merecesse um Supremo Tribunal à altura do seu significado presente e futuro. E não o que está recebendo. 

Não vi melhor definição, até aqui. Pena que o Jânio tá quase sozinho ali.

Da série o que dizem e o que deveriam dizer

Palavra: polêmica

O que deveria dizer: é quase uma arte onde o artista é o polemista, a pessoa que, por argumentos, provoca um debate. O polemista lança conceitos inéditos ou insuficientemente explorados até então, sai do convencional e, ao provocar, cria um ambiente intelectualmente ativo, exigindo respostas criativas, causando controvérsias que, numa perspectiva dialética, são capazes de descontruir um tema pra que o assunto ressurja com outra face, mais profunda, complexa. Uma complexidade que resulta natural de uma ação polêmica saudável e bem construída. São muitos os exemplos de grandes polemistas que engrandeceram o pensamento com a exposição de suas idéias - e defendendo-as dos ataques de polemistas do campo oposto. Edmund Burke combatendo as idéias da Revolução Francesa. Karl Marx apontando as contradições do capitalismo, Raymond Aron criticando, por sua vez, o marxismo. A filósofa judia Hannah Arendt discordando do papel das liderenças judaicas na Alemanha nazista, entrando em choque com muitos de seus amigos até o fim da vida. Mais recentemente temos Christopher Hitchens e seu julgamento de Henry Kissinger por "crimes de guerra". Depois o mesmo Hitchens defendendo as invasões de Bush Jr. ao Iraque e Afeganistão. Novamente Hitchens, agora junto com Richard Dawkins em suas defesas do ateísmo, criticando as diversas religiões. Por aqui, Nelson Rodrigues escandalizando as esquerdas com seu reacionarismo assumido e, ao mesmo tempo, expondo em crônicas e peças de teatro as hipocrisias (e patologias) da família burguesa tradicional. Maria Sylvia de Carvalho Franco e Alfredo Bosi falando que as idéias estão no lugar, em oposição ao famoso diagnóstico de Roberto Schwarz de que as idéias estão fora do lugar - em alusão à adoção de idéias liberais por uma elite que permanecia escravocrata. E por aí vai. Em comum, mesmo em lados opostos, todos, pela polêmica, mobilizaram um imenso conteúdo cultura pra acrescentar algo ao mundo das idéias - e influir no mundo real.

O que diz: hoje em dia qualquer imbecilidade sem nexo dita por uma das subcelebridades do momento (do dia, porque ontem era uma diferente e amanhã será outra) ou um jogador de futebol é tratada nos portais de notícias como polêmica. Assim se uma idiota posta uma foto posando de gostosa em meio a destruição do furacão Sandy, a idiota é chamada de polêmica - e consegue aparerecer em tudo quanto é notícia. Dia ganho, diria Dirty Harry. Um jogador de futebol ofende alguém com uma das dancinhas ridículas - que agora é moda pra comemerar um gol, isso é polêmica. Um cara no Big Brother amassa uma das minas, polêmica. E o pior é que essas figuras se anunciam publicamente como polêmicos, com orgulho.

Por que desconfiar: Os polêmicos da moda só são mantidos pelo atual estágio do jornalismo, que vive de polêmicas vazias, sem idéias, sem cultura, sem acrescentar nada. Enfim, sem polêmica (a que deveria ser). Ao tentar trazer a agilidade da internet pros seus portais, optou-se por atrair o leitor mais superficial, que não quer ler nada longo e complexo, quer é ver notícias dos famosos polêmicos. Se a famosa tiver se descuidado e, acidentalmente, pela vigésima quinta vez neste ano, mostrar algo a mais prum fotógrafo que, por sorte, passava por perto, também pela vigésima quinta vez, melhor. Polêmica, vão dizer. Basta ver os destaques, as notícias mais lidas. E este tipo de cobertura já não é mais exclusivo dos portais, o mesmo padrão domina as versões impressas e eletrônicas dos jornais, com analistas políticos dignos do TV Fama. Ahh, ficar gritando petralha, petralha não faz alguém virar um polemista, faz virar papagaio do patrão.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Tentativa e erro

Depois de muitos anos resolvi dar uma chance pra Globonews e acompanhar a apuração da eleição americana no canal. Liguei. Vamos lá. No vídeo, de cara, o Demetrio Magnoli analisava o cenário. Desanimei. Piorou. Lucas Mendes, Caio Blinder e Diogo Mainardi faziam piadinhas lá dos EUA. Acho que eram piadas, já que não paravam de rir. Acho que era dos EUA, já que do Brasil esse povo quer distância. Mas não esperei pra descobrir, aguentei uns 40 segundos e o meu corpo me obrigou a desligar a TV e voltar ao que tenho feito, assistir na internet.

Realmente não dá mais. Sei que é um clichezão esquerdista, mas Globo, Veja, Folha, Estadão, RBS, são, de fato, a mesma coisa, as mesmas pessoas, as mesmas opiniões, a mesma estupidez. Não tem nem mesmo um projeto-novo-de-Paulo-Francis mais recente, só os mesmos projeto-novo-de-Paulo-Francis já envelhecidos pela caduquice das idéias. O Jabor, o Marco Antonio Villa e o Merval deviam tá na fila pra animar o debate. E o Fiúza na reserva, louco pra entar em campo. E ainda tem a Renata Lo Prete, a Cantanhêde, repetindo na Globonews o que repetem todo dia na Folha, mensalao, mensalão. Aquelas caras de pessoas sofisticadas, que acham bonito Obama e democratas lá no norte, e aqui tem nojo de pobre. E raiva de quem combate a pobreza. Chega. Fui.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Palavras, o que dizem e o que deveriam dizer.


Palavra: Empreendedor.

O que diz:
Pessoa ousada e criativa, que se arrisca, larga o emprego e a segurança da carteira assinada pra virar "patrão" e ficar milionário.

O que deveria dizer:
A melhor maneira de retirar completamente os diretos trabalhistas, as conquistas todas de décadas de lutas dos trabalhadores e obrigar todo mundo a virar pessoa jurídica. E ainda fazer parecer que tudo isso é bom. Pior, quem não aceitar é porque é muito acomodado, não tem ousadia, criatividade, não quer ficar rico. Perfeito. Pros donos da grana.

A mágica (também chamada armadilha ideológica):
Pega-se meia dúzia de exemplos de pessoas que ficaram realmente ricas com uma boa idéia e alguma sorte e transforma-se isso em regra - com um nome: empreendedorismo - quando é claramente uma exceção. Coloca-se essa meia dúzia nas capas das revistas, entrevista um ou outro volta e meia na TV, mostrando sua vida de gente rica, pra ficar martelando na cabeça do vendedor da loja, do bancário, do professor: fique rico, é fácil. Enquanto isso milhões de pessoas, sem carteira e com CNPJ na mão, vão ficar disponíveis pras empresas através de contratos cada vez mais vantajosos, pras empresas, claro. 

Por que desconfiar:
Tá todo mundo falando pra você virar empreededor - e assim ficar rico. Quem fala isso é dono de mega empresa, de jornal, televisão...ou seja, gente muito rica. Você realmente acha que essa gente muito rica quer que mais gente pobre fique tão rica quanto eles? Não vai acontecer. Eles querem continuar ricos ou ficar mais ricos - pagando menos pros trabalhadores, agora empreendedores, que têm de se virar pra pagar todos os encargos de pessoa jurídica. Plano de saúde, jornada de trabalho, hora extra, vale alimentação e transporte? Anacrônicos. Coisa de vagabundo (o termo correto pros não-empreendedores). Te vira mermão. 


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MORTOS e mortos

Dando uma passada de olho na Folha de domingo, encontrei um artigo do João Paulo Charleaux muito claro sobre as diferenças de tratamento na mídia brasileira das catástrofes lá fora - pra não dizer puxasaquismo tosco e preguiçoso (isso é meu, não do Charleaux). Ele mostra que o furação Sandy matou quase setenta pessoas no Caribe antes de chegar nos EUA - e ninguém falou disso na imprensa daqui. Chegando nos EUA, só deu Sandy nos nossos jornais. Charleaux cita uma antiga piada de redação pra ilustrar a diferença de pesos na cobertura: um americano assustado equivale a uns 40 centro-americanos mortos ou uns 50 corpos africanos e por aí vai. 

Lembro que depois dos atentados de 2001 algumas cartas com pó branco assustavam muita gente nos states. Poucas dessas cartas continham realmente o antrax, que podia mesmo provocar a morte de quem tinha contato com a carta. Após a segunda morte (de um total de 5 ou 6) imprensa e políticos já cobravam a quebra da patente do remédio pra tratar do antrax. Justo, sem dúvida. O problema é que enquanto isso milhões morrem todos os anos nos países pobres por doenças como Aids, malária, chagas, dengue, tuberculose.... e o governo norte-americano sempre se opôs duramente contra qualquer tentativa de quebrar patente pra reduzir os custos com o tratamento dessa doenças. Nessa conta, um norte-americano morto por antrax é mais importante que milhares de africanos, latinos e asiáticos mortos por doenças da pobreza. E essa diferença na balança de pesos de vidas não parece escandalizar a imprensa em lugar nenhum. Americano morrer é tragédia. Pobre morrer é da vida, acontece.

Outra coisa notada pelo colunista é o jornalismo pautado pelo que interessa lá, não aqui - não produzimos aqui conteúdo, apenas replicamos o que nos EUA se entende como prioridade. É o popular jornalismo colonizado, que ainda atende as ordens dos colonizadores. Entre tantos e tantos exemplos dessa postura servil, lembro da cara embasbacada do William Waack entrando num porta aviões norte-americano ancorado no litoral brasileiro. Parecia um criança entrando na Disney, deslumbrado, sem saber direito pra onde olhar. Metido a historiador militar, o apresentador do jornal noturno da Globo deve ter sentido espasmos de emoções com a força das armas ali dentro. Parecia qualquer coisa menos um jornalista brasileiro entrando numa imensa arma de guerra extremamente poderosa (na verdade mais poderosa do que nosso poderio militar inteiro) e enviada pra nossas águas - olha só - logo depois das descobertas de petróleo no pré-sal.

Falando em pesos e medidas, quer o Waack, a Globo, Veja e Folha queiram ou não, quem acompanha publicações internacionais sabe que o peso do Brasil agora é muito maior. Isto pode ser bom, pode ser ruim. Eu mesmo não tenho saco pra essa obsessão com uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, mas é fato que o país vai ficar mais próximo das questões que movem a política nos quatro cantos do planeta. Isso pediria jornalistas dispostos a aprofundar a crise Israel-Irã, o avanço da China, o imbróglio todo Afeganistão-Paquistão-AlQaeda, a tirada do Lugo no Paraguai.... e isto do nosso ponto de vista, não do ponto de vista do Departamento de Estado dos EUA, como tem sido até aqui. Quanto mais rápido o Brasil cresce em importância no cenário global, mais visível fica essa pobreza mental do jornalismo servil. E vai ser duro formar uma geração nova de jornalistas que entenda essa mudança no papel do país. Tá tudo dominado, como diria o filósofo do Bope.

domingo, 4 de novembro de 2012

Como funciona parte 2: Igreja

 "eu vejo o Serra"

Do mesmo jeito que zumbis, vampiros, fantasmas, lobisomens, sacis, malufs e outras tantas criaturas folclóricas, as religiões são fundadas em alguma forma de lendas e mitos formadores. Geralmente juntando um monte de histórias que vagavam por aí, escolhendo uma figura central e colocando tudo num único livro sagrado - fazendo os ajustes necessários pra dar um conjunto moralista que determina o que os mortais podem ou não fazer. Como os monstros, as igrejas tentam dar conta do desconhecido, geralmente apostando nos medos primitivos - fogo, inferno, danação eterna, literatura de autoajuda, sertanejo universitário, programa do Luciano Huck - pra tentar botar o povo na linha. Amor, respeito e caridade são conversa pra boi tatá dormir, basta uma olhadinha em qualquer religião importante pra revelar muito  pouco desse negócio de amor e respeito e muito do oposto.

Como qualquer debate primitivo, nas igrejas ou ajoelha e reza pelo meu livro, que é o único certo (feito por deus, não por Steve Jobs, ainda) ou a coisa vai ficar feia pro lado do herege. E olha que o mesmo livro sagrado pode servir a duas ou mais igrejas - ou partes do mesmo livro, ou trechos, ou um personagem.

Esse quiprocó todo, além da razão funcional de controle do comportamento social dos fiéis, serve também pra disfarçar o óbvio: não tem ninguém, nenhuma criatura, nenhum ser que tudo sabe, tudo vê e tudo pode lá em cima, lá embaixo ou dentro de uma garrafa.  Não tem nenhuma figura sobrenatural que faça as coisas por mim ou em quem eu possa botar a culpa pelas merdas todas que eu faço. Tô sozinho nessa e tenho que construir minhas próprias relações de amizade e respeito. E tenho de aprender a pensar por conta própria. Essa constatação da solidão e a decorrente necessidade de se virar - a responsabilidade, é o verdadeiro pavor do ser humano que corre pras igrejas todas. Lobisomens, fantasmas, vampiros, malufs e zumbis não são nadica perto da certeza de ter que se responsabilizar pelas próprias ações, pelas escolhas feitas, sem culpar alguma entidade, carregando um dos livros sagrados debaixo do braço como garantia de qualquer coisa.  

Até aí, cada um por si e se o cara se sente melhor achando que deus, papai noel, um ET ou outra lenda qualquer tá aí olhando por ele, protegendo sua família, dando vitórias pro seu time, cuidando do rendimento da sua poupança e ajudando a escolher um carro melhor pra comprar, problema dele. Quando o troço vira - como sempre vira - uma caça as bruxas, do tipo que persegue e pune quem não "respeita" o meu deus, o meu ET, não veste as coisas que o livro de mais de mil anos manda ou se recusa a levantar na hora da leitura dum trecho do sagrado livro de fantasia, a coisa muda. Já deixa de ser opção dum idiota que deixa uma lenda controlar sua vida e vira questão de política pública.

Tá meio viciado esse debate onde todo mundo pede respeito às diversas crenças enquanto as diversas crenças não respeitam nada - muito menos a inteligência. Por aqui temos basicamente católicos e evangélicos apitando, numa espécie de disputa pelo monopólio da estupidez. As duas igrejas têm razoável influência no congresso pra mudar ou impedir leis - e amplo espaço nos meios de comunicação (antes eram quase monopólio católico, agora são cada vez mais evangélicos, assim como a população como um todo) pra ficar dizendo e redizendo as lorotas todas que a CNBB, o padre Marcelo, o Edir Macedo e o Malafaia adoram.

Apoiada com gosto por políticos conservadores e de partidos supostamente de esquerda, a política de igreja tem tomado espaço dos debates que realmente importam - e aqui o exemplo clássico do uso de preservativos pra prevenir a Aids. Ao invés de focar em como combater e prevenir a doença, gasta-se tempo e recursos tratando da postura do Vaticano contra o uso de preservativos. E pessoas pegam e morrem da doença enquanto isso. Direito ao aborto? Neca, salta um versículo do livro de mitologias pra mostrar que não pode, que a mulher não tem direito. Nos EUA republicanos contra o aborto afirmaram no congresso que, no caso de mulheres estupradas, "deus quis assim". Ou, melhor ainda, um republicano falou que se o estupro for "legítimo", a mulher não engravida. Crianças que nascem sem cérebro, o que fazer? Vai lá ler no livro. Casamento gay, putz, olha só o que aconteceu em Sodoma e Gomorra. Se deus existe mesmo e curte coisas como republicanos, malafaias e igrejas de modo geral - e nos criou à sua imagem, essa imagem é a de um idiota perfeito. Como deus não existe, a criação do idiota perfeito é por nossa conta. E só nossa.

Só pra mostrar um pouquinho como uma igreja entende conceitos como justiça e respeito, na Inglaterra um ex-apresentador da BBC e um dos mitos da TV por lá, o Jimmy Savile, morto em 2011 aos 84 anos, foi denunciado por abusar de umas 300 meninas num período de mais ou menos 40 anos. E já não é apenas acusação, mas processo, com mais de uma centena de denúncias das vítimas do cara, incluindo parentes. E mais denúncias aparecendo todo dia. Acontece que a figura, como de habito, tinha um grande "trabalho pra caridade", décadas de "dedicação", zilhões doados, filantrópico, empreendedor social...a receita de sempre. E recebeu por isso todo tipo de bajulação da família real britânica, como o título de Sir, além das amizades com príncipes e ídolos pop e essas coisas todas. Lógico que o Vaticano também premiou o cidadão com um título, foi nomeado Cavaleiro Comandante de São Gregório o Grande pelo papa João Paulo 2º em 1990 por "seus trabalhos de caridade". Descoberta a história terrível destes abusos a coisa ferveu e querem saber por que a BBC demorou pra mostrar uma reportagem já pronta que apontava os crimes do Savile.  O chefão da BBC até ano passado, Mark Thompson, é o atual editor chefe do jornal The New York Times e parece que ele ajudou a abafar o caso. Agora a ombudsman do NYT tá no pescoço do Thompson, pedindo explicações do por quê da não exibição na BBC das denúncias. Enquanto isso no mundo fantástico do Vaticano,  a Igreja Católica da Inglaterra - também castigada por denúncias de casos de pedofilia - pediu pra revogar o título dado pelo papa. Normal, tentativa de dar uma aliviada nessa mancha grande dos católicos com pedofilia. Certo? Claro que o Vaticano negou, e pros católicos um cara que aterrorizou sexualmente centenas de pessoas continua merecendo a homenagem de São Gregório o Grande. Daqui uns 800 anos eles revisam isso. Então, pra resumir, uma igreja encobre por décadas (séculos) casos de abusos de seus padres pedófilos - não um ou dois casos, mas milhares. Dá um título em homenagem a um figurão que também é acusado de centenas de casos de pedofilia e nada faz pra reverter a homenagem. E essa igreja ainda acha muito normal sair por aí dizendo que está do lado do amor e da caridade. Vá contar isso pras crianças abusadas e suas famílias.

Noutra igreja - uma das evangélicas que não para de crescer - seu figurão mor aparece num vídeo, desses típicos de subgerentes de vendas do shoptime (compre, compre, compre), cobrando de seus coletores pastores mais empenho nas técnicas pra arrancar mais e mais dinheiro dos fiéis. Todo mundo fica puto? Não, os evangélicos dão mais grana pra mostrar sua fé, o cara fica muito mais rico e compra uma grande emissora de TV pra ensinar mais gente a roubar coletar mais grana pras causas de deus/jesus/mansões no exterior. E de quebra aumentar ainda mais a oferta de realitys e outros programas imbecis na televisão brasileira.

E é esse povo, os chefes das igrejas e seus zumbis seguidores, que quer se meter na vida de todo mundo, dizer o que é certo ou errado, o que pode ou não. Querem pautar uma eleição, tirando da conversa discussões "menores", como saúde, educação, transporte, estrutura, segurança, pra ficar nos kit gay, anti-aborto, anti-drogas, anti-pensar. Esse é o tamanho do debate público das igrejas - e é pequeno e tosco. Entregar decisões da vida pública prum padre ou pastor é meio como pedir pro Hannibal Lecter cuidar dum bebê enquanto dá uma saidinha e já volta.

 "pode deixar que eu cuido da criança.  Por acaso você tem um bom vinho e um azeite extra virgem em casa?"