Lá, como cá, me divirto muito com a cara de bunda dos comentaristas conservadores depois de uma derrota eleitoral. Passei esses dias vendo os vídeos dos melhores momentos da FOX News na cobertura da eleição presidencial. Eis alguns pontos altos, o the best of, só o filé:
1) Karl Rove negando a derrota de Romney, ao vivo, pra espanto até dos seus colegas de emissora - com todo mundo já dando parabéns pro Obama, reeleito naquele momento por todas as projeções. A apresentadora da FOX, diante da certeza de Rove na vitória republicana, levantou e foi na salinha falar com os estatísticos perguntar se tinham alguma duvida da derrota republicana, 99,9% de certeza um deles falou. Um parentese, como lá é uma zona total, com cada estado com um jeito próprio e uma apuração sem fim, e a decisão é no colégio eleitoral, esse negócio de projeção dos resultados é levado muito a sério, os caras viram astros, dão um monte de entrevistas. Aqui como não dá nem tempo de fazer projeção, a apuração dura meia hora, esse papel de guru fica com os caras do Ibope, Datafolha e Vox Populi - e somente antes das eleições. E o Rove ainda negando, "será um vitória republicana". A apresentadora - da FOX News! - vira pra ele e pergunta: isso confere com a realidade ou é só pros republicanos não ficarem depré? (tradução bem livre, mesmo, nem lembro o que ela disse, mas era nesse tom).
2) Bill O'Reily e Sarah Palin, apresentador e comentarista da casa, tavam lá pra explicar que a América não é mais branca - caras de velório. Sim, vão culpar os nordestinos lá também - no caso negros, latinos, asiáticos, mulheres, jovens não-brancos... Até o Sandy (o furacão) culparam, dizendo algo como caiu no colo a chance do Obama mostrar serviço, sortudo. Esquecendo-se que Bush teve o Katrina e mostrou ali, na prática, o que os republicanos querem dizer com ausência do Estado - ou danem-se os pobres.
3) Sequência de especialistas da FOX, todos consternados, mostrando levantamentos demográficos, mais latinos, mais asiáticos, negros. Meu deus, pavor. Eles querem algo, diz O'Reily, muito abatido. Que coisa estranha não? Quem vai dar? Pergunta O"Reily. Obama, ele mesmo responde. Pois é. Autocrítica? Não, claro. Vão demonizar as minorias, que querem algo.
E aqui uma grande diferença entre lá e aqui. Jon Stewart e Stephen Colbert. Humor político ácido, engraçado e de esquerda. Sim, existe. Quem acompanha humor (ou o que classificam disso) por aqui não deve saber o que significa. Cada um tem seu próprio modus operandi. O Stewart pega um tema e mostra as declarações dos republicanos e apresentadores da FOX, deixando que eles mesmo se exponham ao ridículo - claro que ele ajuda isso, geralmente imitando o jeitão do cidadão que falou por último e exagerando ainda mais as bizarrices ditas. Num exemplo: a apresentadora da FOX fala, casualmente, como "conseguiram" colar a imagem de pró corporações, pró ricos, em Romney. Como se isso fosse uma esperta e injusta estratégia de marketing democrata. Apenas isso. Stewart então contrapõe com um video editado com os republicanos todos dando declarações pró corporações, pró ricos. E não precisou nem falar dos tais 47% do desastroso vídeo do Romney. Colbert tem uma abordagem interessante, simula ser um típico idiota conservador, desses ultrapatrióticos - parece até o American Dad do desenho (e aqui lembra um pouco o a fórmula de ironia do nosso Professor Hariovaldo Almeida Prado, no seu blog) - pra demolir os pontos martelados pelos republicanos e a FOX News. Colbert e Stewart, além de uma ótima turma de redatores, mostram um desempenho muito bom pro tempo das piadas, quase sempre feitas sobrepondo imagens reais de reportagens e comentários do seu alvo preferencial, a FOX. Resumindo, são grandes humoristas - e usam isso pra desconstruir o discurso conservador.
Voltando a cobertura, ao final, o grande cliché explicatório da reeleição do Obama é o das tais mudanças demográficas. Nesse argumento, repetido o tempo todo na FOX News, Obama só ganhou por causa dos votos das minorias - e estas crescem ano a ano e, somadas, já ultrapassam os brancos. Não por acaso o mesmo argumento, acrítico, foi repercutido pelos repetidores de sempre daqui. O Sérgio Dávila, na Folha, usou o originalíssimo título É a demografia, estúpido - na milésima quinquagésima terceira paráfrase, neste ano, do famoso bordão "É a economia, estúpido", do James Carville (a Cantanhêde, mestre em reciclar material já aproveitado à exaustão, deve ter ficado puta com o chefe, aposto que já tinha algum artigo com algo assim, originalíssimo, no título, mas tudo bem, ela pode usar, se já não usou, agora no "julgamento do século", tipo: é o mensalão, estúpido. É o Barbosa, estúpido. É o domínio do fato, estúpido....). Não, não é a demografia, Dávila. É a adesão do candidato republicano ao discurso conservador mais tosco do Tea Party que assustou os eleitores. Exatamente como ocorreu com o candidato da Folha aqui, o Serra (e, sejamos justos com o Dávila, ele menciona isto, dizendo que lá, como cá, republicanos e tucanos ficam esperando um país que se adapte aos seus desejos, e não o oposto). As minorias não têm com Obama nenhum contrato de exclusividade, ou com os democratas, ou com o PT aqui. Os latinos, ao contrário, têm tradição de voto em republicanos. Agora se o cara do Partido Republicano prega linha dura contra imigrantes, principalmente latinos, adivinha se vai ganhar os votos deles. Até cubanos anti-castristas da Flórida votaram no Obama. O Romney defendeu abertamente o fim - ou a privatização, que dá no mesmo - das agências federais responsáveis pela defesa civil em casos de catástrofes. Vem o Sandy e Obama faz o óbvio, oferece todo apoio do governo federal às vítimas, no que recebe entusiasmados agradecimentos até de um governador republicano. Pra quem se inclinariam a votar os atingidos pelo Sandy? Pra quem votariam os negros atingidos pelo Katrina - e deixados na mão por Bush Jr.? Se o Romney e seu vice, Paul Ryan, pregam o tempo todo pros brancos "de sucesso", atacando qualquer auxílio do Estado aos cidadãos (os não tão bem-sucedidos), em quem vão votar os que recebem algum auxílio? E não são aproveitadores, como os republicanos pensam - e deixaram escapar em vídeos, são pensionistas que contribuíram a vida toda, são veteranos de guerra, pessoas com problema de saúde...E olha que o Obama deixou de fazer tanta coisa nesses quatro anos que quase conseguiu perder. Pro Romney!
E os analistas acham muito estranho que votem em Obama. Lembra, no nosso caso, aqueles tuites e posts do facebook depois da vitória da Dilma, xingando nordestinos, pedindo pra afogá-los - né Petruso. Pessoal maluco, votar em quem melhorou suas vidas e não no cara que quer tirar tudo - e ainda os chama de burros. Como os analistas tão sem idéias novas faz tempo, ficam nessa de pegar qualquer coisa e então colocam uma vírgula e acrescentam estúpido no fim. E pronto. Tá explicado. Seria até uma boa autocrítica, se a idéia fosse essa. Funciona como autocrítica involuntária, com seu onipresente estúpido no fim, ali, acusatório, olhando pra cara de quem escreveu.