Enquanto minha cachorrinha erudita me impede acesso ao Ulysses que acabou de chegar, vou me virando com dois livros com temáticas, digamos, distintas. Um deles é Liberdade, do Jonathan Franzen. Resolvi conferir o que o novo "gênio americano" tem de bom. O outro é, vamos dizer, sobre os "outros", o quinto livro da saga de fantasia do George RR Martin. A fronteira que supostamente separa alta e baixa cultura é dos temas que mobilizam bibliotecas inteiras de argumentos ilustres - de elitistas, como Adorno, aos defensores de que tudo é cultura e tudo tá valendo. Eu mesmo, apesar de ter em alta conta a crítica da indústria cultural dos frankfurtianos, me divirto bastante alternando (supondo aqui uma separação) entre a tal alta e baixa cultura, tendendo quase sempre pra baixo e caindo ainda mais. Isso é parte da minha formação, dos anos de adolescência na biblioteca pública pegando um pouco de tudo pra ler, de Guerra e Paz a Stephen King, Versículos (em português de Portugal mesmo) Satânicos a Senhor dos Anéis, O Processo de Kafka e a saga de George Similey de John le Carré. Muitas vezes a escolha dum livro recaia sobre o prosaico critério do estado da obra - nesse caso a condição física do livro mesmo, um livro novinho, com a capa original e não a capa dura padrão e sem gosto das bibliotecas. Não é exatamente um método de leitura recomendado pelos eruditos, mas é o que eu gosto e depois do doutorado, com muito Adorno e pouco Le Carré, resolvi voltar pros chamados "policiais", como a trilogia Millenium (o filme é melhor, tanto o sueco como o americano) ou relendo Conan Doyle enquanto experimentava um livro curto do Bolaño.
Continuo sem precupações de segregação entre alturas de cultura e depois de assistir a primeira temporada de Jogos dos Tronos na HBO aproveitei dessas promoções que vendem a coleção pelo preço dum livro e comprei os primeiros volumes do Martin. Fiquei surpreso com a facilidade do autor em criar uma atmosfera permanente de conspiração política - e em SETE reinos, mais um tanto de condados e mais um tanto de "cidades livres". Se a trama dos livros gira em torno da sucessão ao trono que comanda o reino todo (Westeros), cada um dos cantos do lugar merece um bom nível de detalhamento dos conflitos internos que movem as famílias poderosas em suas constantes troca de lado. Mais do que dragões e zumbis - e esse é o mérito - os livros priorizam a política. Outro ponto que vai do meu gosto, além da falta de pudor e cinismo - acho que ficou claro pra todo mundo que os vilões são infinitamente mais interessantes que os heróis, se é que há algum herói - é o desapago do autor com persongens que, a princípio, pareciam os condutores principais do enredo. Martin passa, literalmente, o machado nas cabeças e na história. E o faz com tanta frequência que deve deixar corados os roteiristas do saudoso Jack Bauer com suas reviravoltas sobre reviravoltas, dando, como disse uma modelo/atriz uma vez (juro que não lembro quem ) uma "mudança de rumo de 360°".
Do outro lado do ringue, Franzen e sua descrição madura de décadas na formação da tal típica (e onipresente) família americana. Ainda estou no meio do livro e como não li outro livro do autor nada de julgamentos apressados, mas a viagem pelos tormentos de Patty, de jovem atleta promissora a dona de casa supostamente mas falsamente satisfeita tem sido agradável, permeada de referências pop (até a banda Yo la Tengo). Um dos critérios que normalmente distinguem alta e baixa cultura, aos críticos, é a sofisticação dos primeiros em contar o enredo com sutileza, sem a excessiva e crua descrição, por vezes redundante, dos eventos e personagens que caracterizariam os segundos. Claro que exceções à regra, se é que existe essa tal regra, não faltam, mas Franzen até aqui tem apresentado com classe as nuances que criam empatia (ou não, no meu caso, o que não é ruim necessariamente) com seus personagens.
Contudo, sinto falta no trabalho de Franzen, e aqui uma pequena crítica construtiva, de alguns personagens com um pouco mais de densidade ao redor dos três (até aqui) protagonistas, complexidade mesmo, como dragões e wargs (pros não eruditos, uma espécie de lobisomem).
É, talvez a mistura, em excesso, como qualquer adolescente de ressaca sabe, tenha efeitos não desejados.
Do outro lado do ringue, Franzen e sua descrição madura de décadas na formação da tal típica (e onipresente) família americana. Ainda estou no meio do livro e como não li outro livro do autor nada de julgamentos apressados, mas a viagem pelos tormentos de Patty, de jovem atleta promissora a dona de casa supostamente mas falsamente satisfeita tem sido agradável, permeada de referências pop (até a banda Yo la Tengo). Um dos critérios que normalmente distinguem alta e baixa cultura, aos críticos, é a sofisticação dos primeiros em contar o enredo com sutileza, sem a excessiva e crua descrição, por vezes redundante, dos eventos e personagens que caracterizariam os segundos. Claro que exceções à regra, se é que existe essa tal regra, não faltam, mas Franzen até aqui tem apresentado com classe as nuances que criam empatia (ou não, no meu caso, o que não é ruim necessariamente) com seus personagens.
Contudo, sinto falta no trabalho de Franzen, e aqui uma pequena crítica construtiva, de alguns personagens com um pouco mais de densidade ao redor dos três (até aqui) protagonistas, complexidade mesmo, como dragões e wargs (pros não eruditos, uma espécie de lobisomem).
É, talvez a mistura, em excesso, como qualquer adolescente de ressaca sabe, tenha efeitos não desejados.
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