domingo, 30 de setembro de 2012

Mistérios de São Paulo

O cara quer ser presidente da república. Um desejo legítimo. A condução do que é pra o que quer ser faz toda diferença. A disputa seria contra um notório perdedor. Não tinha como dar errado. Era o dono de todas as qualidades e seu adversário de todos os defeitos - e os formadores de opinião estavam do seu lado pra afirmar e reafirmar isso. Perdeu. Quem sempre perdia desta vez ganhou.

A prefeitura da maior cidade devolveria força para voltar a disputa que interessa. Deu certo, mesmo que todos soubessem que ser prefeito nunca foi um desejo. Empossado prefeito, nunca foi. Abandonou, entregue já às articulações para o alvo seguinte no caminho do planalto, o governo do estado, que também deu certo, mas também nunca foi, entregue já às articulações nunca abandonadas por nova disputa pela presidência.

Novamente no jogo, enfrentava agora... ninguém. Nem o perdedor de antes, nem um ganhador qualquer, mas alguém sem passado e sem futuro, como dizia e repetia, ecoado, como sempre, pelos formadores de opinião - que, seja dito, opinavam como nunca, mas já não formavam como sempre. Perdeu de novo. Dessa vez com gosto de último penalti batido pra fora e fim de campeonato. Se seu próprio time parece não ter nenhuma intenção de convocá-lo pro campeonato principal novamente não importa. Olhos esbugalhados diante da rampa do planalto. Meu precioso.

A isca para repetir o percurso foi oferecida com a disputa pela prefeitura da cidade que nunca quis. Isca pois a armadilha era clara: se ganhar não pode abandonar e fica fora do páreo na disputa interna pro único posto que interessa. Se perder..., nem em time da terceira divisão vai conseguir voltar a jogar.

Aceitou de novo concorrer ao que nunca quis ser, prefeito de São Paulo. Todo mundo sabe que ele não queria.

O mistério não está na trajetória do personagem, mas como (mesmo com os elevadíssimos índices de rejeição nas pesquisas) ainda há cidadão disposto a votar em quem não quer e nunca quis ser. Um voto que seja já é um mistério. Mesmo o próprio voto, pra quem não quer ser, deveria ir pra outro.

O candidato:


PS - As razões para os formadores de opinião continuarem alimentando uma farsa  - um candidato a prefeito que não quer ser prefeito e não dá a mínima pra cidade (e já deixou isso bastante claro) é uma reflexão que merece muito mais empenho do que a pobre ombusdman da Folha está disposta a dedicar, ainda entretida pelo jogo viciado da "pluralidade" de opiniões que o jornal - e só ele - acredita ter.

PS 2 - Pra ser justo com a Singer, na coluna do dia 07/10 ela pelo meno apontou a direção: uma redação formada por mauricinhos que não entende a periferia. Poderir ter continuado: não entende e quer que a periferia se dane. E pelo padrão de "erros" de seu instituto de pesquisa os mauricinhos da Folha contam com um grande instrumento pra transformar o preconceito contra os pobres em votos pros seus Serras preferidos.


sábado, 29 de setembro de 2012

Quando o tosco é apenas tosco

Leio nos blogs americanos, mesmo nos conservadores, uma decepção geral com o vice de Romney, Paul Ryan, o jovem que deveria, em tese, dar o carimbo de conservador legítimo à chapa republicana. Notam, contudo, os comentaristas que, surpresa, o galãzinho mostra-se cada vez mais apenas um dos muitos toscos que têm dominado o tablado do tea party republicano. Sarah Palin com sexo invertido.

A imprensa conservadora e o partido republicano repetem com Ryan um erro que tem se tornado marca do conservadorismo lá e, em outra medida, também aqui. Um jovem - não necessariamente jovem - consegue relativo destaque e prestígio nos ambientes mais conservadores justamente mostrando aos crentes (falo aqui da religião conservadora) sua grande capacidade de encarnar os mais toscos princípios da ultra direita. Nestes redutos  - tipo tea party ou Veja - o politico que se destaca "joga em casa" o tempo todo, suas idéias e sua força oratória seduzem quem já pensa como ele e fecha os olhos com prazer ao que ouve, sem contradições maiores ou nenhuma mesmo, bem no espírito da fé do eu acredito e pronto.

Jogado ao cenário nacional numa grande eleição como queridinho, o suposto gênio é obrigado a jogar em outros campos, alguns neutros, outros na casa do adversário. A tosquice de idéias que hipnotizava os redutos fundamentalistas mostra-se então, vista com lente de aumento e com uma repercussão muito maior, apenas idéias toscas. E não é preciso nem mesmo que "esquerdistas"  apontem isso, leio no Huffington Post que a Fox News já se cansou das frequentes liberdades que o rapaz toma com a verdade, como chorar sobre uma fábrica fechada em sua região pela incompetência de Obama - quando a fábrica fechou com Bush na presidência  - ou contar lorotas sobre maratonas disputadas em cronometragens irreais. O charme e a retórica de vendedor de seguros tem vida curta quando fica visível que o que é oferecido é penas conversa fiada. O efeito entre os eleitores não fanáticos e que sofrem no mundo real das consequências de uma depressão econômica grave tem sido a rejeição que está se observando. Como brincou o Jon Stewart, a fraca (minha expressão) administração Obama acaba ficando muito melhor quando posta ao lado das tosquices ditas todo dia pela dupla Romney-Ryan.

Um parêntese, uma crítica como da Fox News e outros conservadores nos EUA não seria possível no Brasil. Aqui a imprensa abraça junta um tosco e morre junto na tosquice com ele, quantas vezes forem preciso.

Moral da história (como dizia o Gorpo[?] no final do He-Man), um tosco, quando exposto em cenário ampliado, não fica inteligente, fica um tosco maior.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

É muita erudição


Enquanto minha cachorrinha erudita me impede acesso ao Ulysses que acabou de chegar, vou me virando com dois livros com temáticas, digamos, distintas. Um deles é Liberdade, do Jonathan Franzen. Resolvi conferir o que o novo "gênio americano" tem de bom. O outro é, vamos dizer, sobre os "outros", o quinto livro da saga de fantasia do George RR Martin. A fronteira que supostamente separa alta e baixa cultura é dos temas que mobilizam bibliotecas inteiras de argumentos ilustres - de elitistas, como Adorno, aos defensores de que tudo é cultura e tudo tá valendo. Eu mesmo, apesar de ter em alta conta a crítica da indústria cultural dos frankfurtianos, me divirto bastante alternando (supondo aqui uma separação) entre a tal alta e baixa cultura, tendendo quase sempre pra baixo e caindo ainda mais. Isso é parte da minha formação, dos anos de adolescência na biblioteca pública pegando um pouco de tudo pra ler, de Guerra e Paz a Stephen King, Versículos (em português de Portugal mesmo) Satânicos a Senhor dos Anéis, O Processo de Kafka e a saga de George Similey de John le Carré. Muitas vezes a escolha dum livro recaia sobre o prosaico critério do estado da obra - nesse caso a condição física do livro mesmo, um livro novinho, com a capa original e não a capa dura padrão e sem gosto das bibliotecas. Não é exatamente um método de leitura recomendado pelos eruditos, mas é o que eu gosto e depois do doutorado, com muito Adorno e pouco Le Carré, resolvi voltar pros chamados "policiais", como a trilogia Millenium (o filme é melhor, tanto o sueco como o americano) ou relendo Conan Doyle enquanto experimentava um livro curto do Bolaño. 

Continuo sem precupações de segregação entre alturas de cultura e depois de assistir a primeira temporada de Jogos dos Tronos na HBO aproveitei dessas promoções que vendem a coleção pelo preço dum livro e comprei os primeiros volumes do Martin. Fiquei surpreso com a facilidade do autor em criar uma atmosfera permanente de conspiração política - e em SETE reinos, mais um tanto de condados e mais um tanto de "cidades livres". Se a trama dos livros gira  em torno da sucessão ao trono que comanda o reino todo (Westeros), cada um dos cantos do lugar merece um bom nível de detalhamento dos conflitos internos que movem as famílias poderosas em suas constantes troca de lado. Mais do que dragões e zumbis - e esse é o mérito - os livros priorizam a política. Outro ponto que vai do meu gosto, além da falta de pudor e cinismo - acho que ficou claro pra todo mundo que os vilões são infinitamente mais interessantes que os heróis, se é que há algum herói - é o desapago do autor com persongens que, a princípio, pareciam os condutores principais do enredo. Martin passa, literalmente, o machado nas cabeças e na história. E o faz com tanta frequência que deve deixar corados os roteiristas do saudoso Jack Bauer com suas reviravoltas sobre reviravoltas, dando, como disse uma modelo/atriz uma vez (juro que não lembro quem ) uma "mudança de rumo de 360°".

Do outro lado do ringue, Franzen e sua descrição madura de décadas na formação da tal típica (e onipresente) família americana. Ainda estou no meio do livro e como não li outro livro do autor nada de julgamentos apressados, mas a viagem pelos tormentos de Patty, de jovem atleta promissora a dona de casa supostamente mas falsamente satisfeita tem sido agradável, permeada de referências pop (até a banda Yo la Tengo). Um dos critérios que normalmente distinguem alta e baixa cultura, aos críticos, é a sofisticação dos primeiros em contar o enredo com sutileza, sem a excessiva e crua descrição, por vezes redundante, dos eventos e personagens que caracterizariam os segundos. Claro que exceções à regra, se é que existe essa tal regra, não faltam, mas Franzen até aqui tem apresentado com classe as nuances que criam empatia (ou não, no meu caso, o que não é ruim necessariamente) com seus personagens.

Contudo, sinto falta no trabalho de Franzen, e aqui uma pequena crítica construtiva, de alguns personagens com um pouco mais de densidade ao redor dos três (até aqui) protagonistas, complexidade mesmo, como dragões e wargs (pros não eruditos, uma espécie de lobisomem).

É, talvez a mistura, em excesso, como qualquer adolescente de ressaca sabe, tenha efeitos não desejados.


Quer que eu desenhe?

Se alguém tem dúvidas sobre como Israel avalia a inteligência do restante do planeta, Netanyahu vai direto ao ponto:

Em tradução livre: façam o que eu quero, sempre, senão Bum!.

PS - Senti falta do coiote e do papaléguas na argumentação. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Zooropa e o final dos 80




O começo e o final, quando se trata de um evento conhecido, podem ser facilmente determinados com a ajuda de um calendário. A memória, entretanto, funciona por caminhos misteriosos e com frequência embaralha a linha do tempo, encurtando ou esticando as fronteiras (supostamente precisas) que determinam o início e o fim de uma época. Exemplo dessa apropriação do calendário pelo imaginário é a fúria de retrospectivas dos anos 80 vista nas várias formas de publicações, documentários, relançamentos, balanços, listas e shows, dando a impressão que a década durou bem mais que os seus 10 anos protocolares – se é que, parafraseando o Zuenir, terminou. Cores, músicas, bandas, seriados e filmes que, até bem pouco, eram apenas piada pela extravagância e gosto duvidoso renascem como cult’s, mesmo no pior dos mundos bregas.

Comecei a notar os primeiros sinais desse processo de beatificação dos 80 já nos 2 mil, morando numa república enquanto fazia mestrado. A gurizada (de 20 e poucos) escutava alto as tolices da época (essas, acho eu, sem defesa hoje ou em 2020-30 [espero]) como Skank e J Quest, quando outro trintão da república lembrou que 15 anos antes o som que rolava durante as conversas era de bandas como Legião, Titãs, Plebe Rude, Ira...

De fato, fácil cair no saudosismo, dizer que antes prestava e agora é tudo uma merda, mas resisto à tentação. Uma década onde só tinha Globo e SBT  - e sem internet - não é exatamente sedutora pros hiperplugados de hoje. Mesmo não tendo telefone esperto (vai que ele descobre que é mais esperto que o dono) nem participação digna de nota nos chamados sites de relacionamento, eu sou, confesso, dependente da web. Boa parte do que leio e assisto vem dali, ligar na rede é minha segunda ação diária e, pelo andar da coisa, dessa dependência só tendo a piorar. Contudo, porém, entretanto, aquela conversa na república sempre volta na cabeça quando sou obrigado a ficar 30 minutos diante da MTV ou ouvindo alguma rádio FM comercial.

O demônio do saudosismo paira literalmente no ar, talvez espalhado pelas mesmas ondas que emporcalham o som das rádios com as coisas que chamam de pop/rock hoje. A tentação materializou-se na forma ectoplásmica dum show muito bom de covers dos 80 (não era essa a proposta, diga-se em minha defesa, não fui pra isso, o cartaz do bar dizia cover do Led Zeppelin, dos 70, portanto, mas tudo bem) que assisti esses dias, só dava rock e na maior parte estrangeiro (minha preferência, não me desculpo). Curti muito, não nego. Pra não ficar preso na posição do "tiozinho chegando na meia idade querendo voltar no tempo e ser adolescente novamente" aviso já que não é o caso - ser adolescente nunca foi minha ambição, nem antes, quando criança, muito menos hoje perto dos 40 e se pudesse, aliás, dormiria com 15 e acordaria com 20 sem grandes perdas - tirando a Playboy da Luciana Vendramini.

Mas tratando desse suposto saudosismo com objetividade, se possível, não lembro exatamente quem postou na internet uma série de listas dos grandes sucessos distribuídos por década na música e cinema, só sei que e os top 10 das décadas de 50, 60, 70 (o critério é vendagem e bilheteria, não gosto) e a comparação com as décadas seguintes é, na falta de outro termo, constrangedora.

No cinema os 70, acompanhando a lista, talvez seja o último período onde grandes obras eram também os grandes sucessos e cito, por exemplo, Poderoso Chefão 1 e 2, Chinatown, Um Estranho no Ninho, Cowboy da Meia-Noite, Taxi Driver, Laranja Mecânica. Dois filmes desta época aparecem também nas relações de melhores e mais bem sucedidos: Tubarão e Guerra nas Estrelas, de Spielberg e George Lucas, respectivamente, abrindo caminho pros blockbusters que, se pareciam "brotar da terra" com naturalidade, principalmente pra Spielberg, acabaram por tornar-se o suplício de fórmulas, receitas, infantilização e continuações que desaguaram nos filmes de shoppings de hoje, expulsando adultos com mais de meio neurônio ativo.

Em retrospectiva - e na medida dos ajustes meio forçados que essas conjunturas exigem - os 80 são, de certa forma o ponto de inflexão de tempos anteriores onde sucesso e qualidade não eram mutuamente excludentes e o momento atual, onde qualidade ficou restrita a guetos de “gente chata” que não sabe se divertir. Basta citar um exemplo de diversão simples na época, Caçadores da Arca Perdida, ainda no início da década (1981), comparando com os Harry Potter, Crepúsculo, Jogos Vorazes que dominam com folga as bilheterias da última década.

Na música então a responsa dos 80 era grande. Pra quem gosta de rock os 60 e 70 são imbatíveis, mas, olhando pros 80, tinha muita coisa boa e minha turma do interior passava noites e noites alcoolizados num debate frenético quanto às virtudes e defeitos de Queen, Cure, Smiths, Guns, U2, REM, Red Hot...umas já nascidas nos 80, outras sobreviventes dos 70. Relembrando isso é só mainstream, tudo isso tocava o tempo todo nas rádios e todo mundo tinha aquela banda cult que não aparecia com tanta frequência (a minha era Talking Heads, de outros Jethro Tull). Pra aumentar a responsa os mitos Led Zeppelin e Pink Floyd praticamente terminavam com o início dos 80 – Led terminando de fato com a morte de Bonham e Floyd continuando sem Waters, já meio que banda cover.

Um ponto importante pra quem tem menos de 30 e desdenha da idolatria de algumas bandas das antigas. Acho que não é nenhum sociologismo apontar uma relação diferente com a música e com as bandas pra quem tá acostumado a baixar o que quiser da internet e sair escutando num micro aparelho por aí. Putz, até bem pouco tempo era foda conseguir determinados discos. Fazer listas pra ouvir no K7 então, paciência oriental pra ficar editando e copiando a bendita fita em dois aparelhos de som e seus intermináveis cabos de áudio conectando porcamente tudo - PAUSE REC num, PLAY noutro, e já, sem errar ou tudo de novo. Pra escutar o K7 em movimento só nos tijolos da Sony que serviam mais pra gastar pilhar e torrar a paciência com as constantes travadas do que outra coisa.  Vai tentar escolher uma música num troço desse então, avança, rebobina, de novo, de novo, até chegar ao começo da música. Esquece. A admiração diante de um disco raro conseguido, uma capa bonita, o cuidado com o bicho, a limpeza, a troca da agulha do toca-disco, acho que isso tudo, meio que ritualístico, aproximava um pouco a gente de determinadas bandas ou de um disco em especial. Hoje tem tanta música de tantas bandas no meu computador e mp3 player que só sei sobre o disco a que pertence quando é anterior aos 90. Capa então, sei de poucas. Lado A, lado B, isso tudo importava e acaba por conectar a um disco.

Enfim, outra vida. Um tempo - e aqui entro na particularidade, a minha - que começou a ficar pra trás não exatamente 1990, na virada formal do calendário, mas em 1991. Eu entrava na universidade e isso mudava muita coisa. Na música acontecia uma espécie de tour de fource das grandes bandas, o tal mítico 91 de que falam os críticos como o Barcinsky, com alguns dos melhores discos das melhores bandas: Out of Time (REM), Achtung Baby (U2), Nevermind (Nirvana), o Black Album (Metallica), Ten (Pearl Jam), Blood Sugar Sex Magic (Red Hot Chili Pepper), Use our Ilusion I e II (Guns and Roses) e outros, parecia um adeus coletivo a cafonice dos 80 , mas é do álbum que começa com um alerta alemão que vou tratar por hora.

Escutava U2 da mesma forma que outras bandas, com alguma preferência por REM e The Cure, então veio do Japão um CD, coisa nova ainda pra gente, que a irmã de um amigo mandou, o disco novo do U2, que após Joshua Tree e Rattle and Hum encerrava os 80 como a banda fodona (em vendagem e talvez prestígio) junto com Guns. Pra mim era legal, mas tava no meio das outras, até eu botar os fones do discman emprestado pra ouvir o Achtung Baby. Geralmente não gosto de um disco de cara, escuto e escuto pra, tempos depois, saber o tanto que me agrada, esse foi caso raro de escutar e sentir que o bicho pega. Quando chegou no meio do CD, The Fly pra ser específico, guitarras e vocal distorcido, putz, era de fato outra época que se anunciava, quase um tiro no peito dos MacGyver, Magnum, Incrível Hulk, Casal 20 e outras baboseiras meio obrigatórias que passava toda hora na única televisão da família dos 80. Comprei logo o LP com sua capa bonita (que desaparece, como de hábito, no CD). Acho que foi meu último disco, depois só CD.



Mas os ecos do laquê dos 80 ainda resistiam nesse processo normal de transição quando um ano e pouco depois veio o disco irmão de Achtung Baby, Zooropa. Já tinha aparelho de CD e aluguei (veja só) o bendito numa locadora pra copiar em K7 - e meu aparelho fazia tudo isso só apertando o REC, fantástico, parecia o tal Fim da História do Fukuyama. Não foi o impacto do disco anterior, confesso, mas aconteceu desta vez o que geralmente acontece quando eu gosto de verdade de um disco, aos poucos a canção título e que abre o CD  foi deixando sequelas com sua introdução interminável, seu clima meio tecno e vocal cheio de melancolia. Já era 93 pra 94 e o U2 nunca mais fez nada que se aproximasse da dupla Achtung Zooropa, mas com o CD e a nova facilidade de copiar, as músicas circulavam mais rápido e o Black Francis dos Pixies já berrava em alguns aparelhos de som enquanto um ou outro amigo falava de um tal Radiohead. Fecha-se, pra mim, definitivamente o caixão dos 80. Vamos adiante, ainda quero ver muita coisa nova e acho que da porcaria absoluta de agora vai brotar coisa boa - dialética talvez. Let’s go to the overground canta Bono no final do refrão de Zooropa, vamos pra superfície (e deixar o mofo dos 80 lá no fundo).

Epílogo: pra contextualizar um pouco, música eletrônica nos 80, lá no interiorzão, não era exatamente Kraftwerk ou Joy Division/New Order, mas um bate estaca do capeta tão incomodo quanto sem graça. Achtung Baby e Zooropa trouxeram um pouco de som tecno e acrescentaram muito ao U2 e sem esses dois discos a banda teria parado (de fato) nos 80. No álbum seguinte a promessa era um disco mais tecno ainda. Veio o tal Pop e o plano do produtor Brian Eno pra dominar o mundo não foi bem sucedido, o disco foi mal recebido. A reação da banda foi não arriscar mais tanto assim, ao contrário, se retrair, conservar, repetir fórmulas em discos regulares com um ou outro bom momento. Mesmo com os integrantes ainda na casa dos 30 e poucos de idade. Enquanto isso seu frontman ocupava todo espaço com seu jeitão naif e egocêntrico de propor soluções pros problemas do planeta. O U2 que, pra mim, sinalizou o fim dos 80 voltou pra lá – pros We are the world da vida, em campanhas que tratam os problemas (fome, miséria, falta de verba para tratamento da Aids) causados pela ganância capitalista sem nunca mencionar justamente a ganancia capitalista, mas apelando pra caridade e solidariedade – do tipo que pede pra comprar um ipod mais caro, CD mais caro, ingresso mais caro, tudo pra mandar uma parte da renda pra África, enquanto o mesmo processo que produz e lucra com o CD e o ipod vão continuar explorando e empobrecendo o continente. 

Mitt e os 47%



Pessoal ficou meio chocado com a fala (gravada sem seu conhecimento) do candidato republicano a presidência dos EUA. Resumindo, Romney afirmou que 47% dos americanos não pagam impostos e vivem na mamata do governo. E, continuou, não se importa com esse pessoal -  quase metade do povo do país que pretende governar. Pra quem acompanha os modelos teóricos que referenciam os republicanos (além da Bíblia), Romney foi até muito modesto. Seu vice, Paul Ryan, por exemplo, é admirador confesso, seguidor mesmo, das teses contidas em A Revolta de Atlas, da russa/norte-americana Ayn Rand, que trata da elite de, nos termos atuais, empreendedores (bilionários) - os que , pra Ayn e pros republicanos, carregam o mundo nas costas, sendo sugados pelo restante da população. Como o número dos "Atlas" é muito pequeno, cerca de 1% da população, os parasitas somam 99% - e esse é o número que deve estar na cabeça de Romney, Ryan e muitos republicanos, não 47%. Não vão dizer, mas vão agir de acordo com a crença. Os 47% se aproximam mais das teses democratas.

PS - Leio na coluna do Krugman que, no dia do trabalho nos EUA, figurão do partido republicano parabenizou pelo twitter os que "se arriscam" nos negócios, quem gera os empregos, ou seja, os patrões. Kurgman também notou que o termo trabalhadores não aparece nos discursos republicanos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Produto colonial

Coisa chata esse negócio de jornalista brasileiro ficar mendigando atenção de gente fora do país pras coisas daqui. Lembrei disso vendo a estréia do Chelsea na Liga dos Campeões, o reporter da ESPN em Londres queria saber dum torcedor brasileiro vestindo a camisa do Chelsea sobre a final do mundial com o Corinthians, e perguntava se os ingleses já se preocupavam com time brasileiro e tal, tudo forçado, é obvio que eles tavam preocupados é com a estréia na Liga dos Campeões, que é o mais importante pra eles, pronto. Se nós gostamos de ganhar o troféu do mundial de clubes da FIFA, se ligamos mais pra ele, dane-se o que o time europeu acha, tem que ir lá e ganhar e não ficar tentando medir a importência que Chelsea, Barcelona ou quem quer que seja dão ao torneio.

Claro que o exemplo acima é só uma ilustração, o que fica feio mesmo é o habito, não só brasileiro, diga-se, dos cadernos culturais, ao entrevistar um figurão internacional do cinema, literatura ou música vir sempre com a bendita pergunta: "e o Brasil?". E o cara, que nada tinha dito sobre qualquer ligação com nosso país, é obrigado a dar aquelas respostas protocolares tipo, sempre quis ir, lindas praias, caipirinha, mulheres bonitas....Porra, se o cara tem algum interesse ou ligação com o Brasil ele vai dizer, principalmente numa entrevista obrigatória pra divulgação de filme, livro ou turnê.

Dia desses um portal da internet tinha uma manchete com ator hollywoodiano famosão dizendo que ano que vem quer filmar no Brasil, cliquei achando que tinha um projeto, roteiro, coisa e tal. O sujeito tava dando entrevista burocratica sobre o filme lançado, sem falar nada do Brasil, o repórter pergunta "e o Brasil? Gostaria de filmar lá?", o cidadão deve ter respirado fundo (provavelmente já deu a mesma resposta variando nome do país), claro, belíssimo país, quem sabe ano que vem, mas tô com um roteiro pronto pra começar a filmar em outro lugar, e mais outro em outro lugar, quem sabe, do tipo aparece por lá, me liga viu. E a manchete é "cidadão quer fimar no Brasil ano que vem", tenha dó pedantismo.

PS - Quando era moleque mudei pro Rio Grande do Sul, o Grêmio ganhou a Libertadores e o mundial, festa geral. Voltando pro Paraná estranhei que ninguém dava tchuns pra libertadores (não no Paraná, mas os times de São Paulo pra quem os paranaenses do norte torcem). Nem passava na Globo. Só depois, talvez com as conquistas do São Paulo no começo dos 90, que virou o grande título pros clubes do Brasil, normal, não adianta forçar, ficar com carinha de pidão implorando pros clubes europeus levarem o título mundial a sério.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

F1 e nosso conceito particular de mérito


Sábado de treino de F1, Alonso e Maldonado disputando posições nas primeiras filas, Massa e Bruno Senna - seus respectivos companheiros de equipe - pra lá de décimo alguma coisa, constrangedor. De fato, depois da morte do outro Senna, continuei assistindo quase todas as corridas. Acho que gosto da coisa mesmo e não me importo tanto com brasileiro disputando vitórias - exceto por um fator importante: a monótona torcida pacheco do titular da transmissão da Globo.

Creio que não é nenhum exagero botar o Galvão como porta voz (um dos muitos) do pensamento elitista nacional, seja pela superexposição no principal canal de TV como narrador dos grandes eventos do esporte, seja por encarnar no temperamento e postura o típico tiozinho direitoso.  O Galvão é uma espécie de pedágio pago por quem não tem tv a cabo e quer ver futebol e F1. Não sei se ele nasceu rico ou ficou com a profissão, mas basta um fim de semana de corrida no "principado" (ênfase aqui) de Mônaco pra ter acesso às demonstrações de deslumbramento diante do mundo dos endinheirados, provincianismo típico, carregado de semicultura, que transborda bajulação pros famosos e poderosos. Movido pela própria personalidade e, claro, pela necessidade de sua emissora em dispor de pilotos brasileiros em grandes equipes (ia dizer ganhando, mas...), a voz oficial da nossa F1 é incansável em louvar as virtudes dos nossos rapazes e, em contrapartida, implacável em apontar as trapaças e armações que impedem nossos heróis de conquistarem as merecidíssimas glórias - e, de quebra, a Globo aumentar sua audiência nas "manhãs de domingo", claro.

Por acaso na mesma noite do treino pude ver o tal documentário inglês sobre o Ayrton Senna. Sem entrar no mérito do filme e da figura (que, segundo o amigo que assistia comigo tem um parafuso a menos, no que concordo, afinal se era um piloto espetacular o sujeito tinha como grande amigo o Galvão, além de ter namorado Xuxa e Galisteu, deve ser uma espécie de Sherlock cujo cérebro funciona muito bem somente pra uma coisa, duas não), pelo menos deu pra lembrar de um tempo, com Piquet também, em que não era preciso destroçar a realidade para elogiar os brasileiros.  Desta época sobraram eu e alguns outros assistindo, Schumacher (que vinha logo depois do Senna em Ímola, antes do acidente) e a dupla Galvão e Reginaldo Leme. O problema pro Galvão estava posto: como manter o mesmo tom ufanista com os pilotos que vieram depois?

Imperturbável pela lógica, a escolha do locutor foi, digamos, esticar a realidade para que pilotos apenas razoáveis, como Barrichello e Massa, surgissem como extraordinários, enfrentando todos os obstáculos (só eles, os demais tem sorte sempre). O recurso já aparecia antes, principalmente com Senna e seus arquirrivais malvadões Prost e Piquet (sim, um brasileiro podia ser malvado também, desde que outro brasileiro pudesse ser o mocinho), mas com as vitórias acontecendo e os títulos, ficava mais tranquilo de emplacar esse maniqueísmo, contudo, quando as vitórias secaram ou sumiram de vez,  a continuidade do "nós contra o mundo" ficou apenas patético. Lembro de uma corrida em que Galvão elegia diferentes condições climáticas supostamente favoráveis pro Barrichello (na quarta ou quinta posição) ganhar - e isso a cada 10 minutos: agora tem que chover, agora tem que secar, depois molhar de novo, agora um terremoto, um raio, e o alemão sortudo ia lá e ganhava. 

Mas dei essa volta toda porque, não por coincidência, a emissora do Galvão ataca quase diariamente as políticas de inclusão do governo federal, como as cotas para negros e a bolsa família. O argumento, via de regra, é o mérito. Os cotistas ou quem recebe uma bolsa auxílio, são, nessa retórica, no fundo preguiçosos e nós, ricos (ou quase, ou pelo menos fãs dos ricos) somos incansáveis, mais inteligentes, talentosos, ousados e desta forma chegamos aqui, no topo, não é justo alguém chegar também, mesmo que não exatamente no topo (vide o valor do bolsa família) sem nenhum esforço. Falta-lhes o mérito que nos sobra.

A ficção desta conversa fiada é, claro, considerar que o filho do Eike Batista e um rapaz nascido na favela do Macaco Queimado partem pra vida exatamente do mesmo ponto. Logo, seguindo o raciocínio, as Ferraris do deus do trovão são recompensas do talento e esforço individual do rapaz, enquanto as porradas da Rota e o busão lotado são resultados da falta de competência (preguiça) do outro. Incrivelmente todo mundo parece concordar com isso, do filho do Eike Batista (compreensivelmente) ao rapaz  nascido na favela (ideologicamente).

E a F1 com isso? É parte inerente do pensamento conservador dedicar todo rigor da nossa meritocracia fajuta no julgamento dos pobres, enquanto entre os amigos, os colegas, a família, membros do mesmo clube, a exigência do mérito é, digamos, bastante suavizada. Resumindo, se uma família do sertão miserável, sem nenhuma perspectiva, recebe duzentos contos do governo, ahh, aproveitadores, trata-se, evidente, de uma pouca vergonha, afinal, repete o bordão autoexplicativo “eu pago meus impostos”. Porém, se um playboy de família tradicional, frequentador assíduo do café society, resolve organizar um torneiro internacional de hipismo pra sua namorada (uma menina, aliás, que tem o sobrenome Onassis e, portanto, uma das grandes fortunas do mundo), batiza o torneio com o nome da moça e consegue captar (agora, na elite, mamar nas tetas não fica bem, então as palavras dão um tom "executivo" pra legitimar a manobra, como captar) muita grana do poder público pelas diversas brechas, incluindo aí o patrocínio e incentivos...., ahhh, aí sim, tudo certo, é pra isso que serve o tal do "eu pago meus impostos".

O playboy em questão é atleta olímpico, não ganha nada mas tá sempre lá, uma olimpíada após outra. Curioso que justamente no mundo dos esportes de elite, onde a tal competição (que no discurso estendido à sociedade justifica toda forma de opressão aos pobres) deveria separar os vencedores dos perdedores, por aqui é povoada de compadrio, de arranjos, de currículos artificialmente inflados e, exatamente no lugar onde a tal competitividade é exigência suprema, como a F1, ninguém vê problema em manter pilotos brasileiros café-com-leite, que, sabe-se, não vão incomodar ninguém na briga por vitórias e títulos. A voz oficial da F1 torce descaradamente para a renovação de contrato que mantenha um brasileiro em equipe de ponta quando todo mundo sabe, incluindo o piloto, que isso significa a obrigação de ser escudeiro, de não atrapalhar o primeiro piloto. Ah, mas todo mundo ali é excepcional, o cara é boa praça, é o Rubinho, o Massinha, tem a família deles sempre mostradas na corrida, pai, irmão, o nome da esposa do piloto dito com a intimidade de quem é da casa, mas não era pra vencer esse troço? Não era vencer que importava pro Senna (o tio), Piquet e Fittipaldi? Cadê o tal mérito? Pra quem é "bem amigos da rede globo" a medida é diferente.

PS - De 1994 pra cá os brasileiros têm se tornado notórios não por vitórias ou ultrapassagens arrojadas, mas por inovar nas diversas formas de entregar posições aos companheiros de equipe, de Rubinho, Massinha a Nelsinho Piquezinho (o filho). O último, diga-se, foi fundo na nossa nova arte de pilotagem e se esfacelou num muro pra dar a vitória pro Alonsão (não tem nenhum campeão de verdade que é inho, queridinho, bobinho, amiguinho).

PS 2 - Vejo na Folha que Alonso faz campanha para que Massa permaneça seu companheiro de Ferrari em 2013. Meio que resume tudo. 

PS 3 - Acabei de ver o treino pro GP de Cingapura, Galvão se emocionou com o tamanho do hotel por onde parte da pista passa, se encantou com o tamanho da piscina do hotel ("a maior do mundo"), com o gasto pra manter o sistema de iluminação (a corrida é noturna) e, veja só, com a quantidade em metros de cabos usados pra iluminação. Massinha e Senninha ficaram muito, muito atrás do Alonsão e Maldonadão.