terça-feira, 28 de maio de 2013

A direita que a direita gosta - parte 2

Do Clóvis Rossi, na Folha: "Não há razão para não rotular de terrorismo a criminalidade que aterroriza São Paulo". 

Perfeito. Fazendo isso o problema está imediatamente resolvido, como podemos ver facilmente em exemplos de quem fez coisa parecida, no caso o governo dos EUA, que trata o problema das drogas como terrorismo há décadas e já devem ter resolvido isso. Opa, não resolveram, tão na merda e a coisa piora todo ano. Ahh, mas no caso do terrorismo propriamente (ou o que eles entendem como tal) deve ser diferente, prioridade um e dois da política de segurança dos EUA após o 11 de setembro, então a nação mais rica e mais armada do mundo resolveu isso? As recentes bombas em Boston lembram que não. Então o que quer o Rossi? Nada, apenas não tem mais argumentos pra coisa alguma - e sabe que o leitor típico da Folha também não, então dá sempre pra apelar e ir tocando a bola, ninguém lá vai reparar mesmo. Cadê o contracheque?

A direita que a direita gosta

O cantor Amado Batista comparou a tortura sofrida nas mãos do governo militar como "uma mãe que corrige o filho". Bom, se o cara acha bacana ser corrigido no pau de arara, com muita pancada e choques elétricos, é do gosto dele. Cada um é cada um e eu gostaria de poder facilitar acesso a livros subversivos a qualquer um (foi o "crime" do Amado, pelo depoimento) sem uma mãe pra me espancar até quase a morte, as vezes sem o quase. Mas devo ser meio maluco já que o mundo hoje parece ser dominado pelos reaças zumbis, figuras que andam sem rumo, procurando cérebros pra devorar. Provas? Olhe os comentários no portal Folha logo após a nota do Amado dizendo que curtiu ser torturado como processo corretivo:

Comentário 1) Esse tipo de raciocínio a Comissão da "Verdade" não contempla, para eles torturado sempre são coitadinhos. Não gosto das musicas de Amado Batista mas o admiro pela coragem de uma declaração que cala a boca de muitos esquerdiotas

Não, torturado não é sempre coitadinho. Tenho pena mesmo é dos caras que tinham que ficar noite e dia batendo, batendo, estuprando, dando choques, batendo, batendo e matando os caras que queriam - vejam só - o fim do regime militar que derrubou um presidente legítimo. Ahh, como também não pega bem declarar amor ao cantor brega, convém ressaltar que está somente aprovando uma declaração que cala a boca de muitos esquerdiotas. Como? Não sei bem, acho que a lógica é: Amado Batista gostou de ser torturado, foi uma mãe ensinando o filho, logo, quem não gostou de ser torturado, espancado, estuprado ou morto, é um esquerdiota ressentido. Pronto, argumento lúcido é isso, um pensador brilhante, destes que a direita adora. 

Comentário 2) Que briga Amado Batista está comprando com os demais terroristas brasileiros !!!

Lindo esse. Então o Amado era também um terrorista, pois permitiu que pessoas tivessem acesso ao Manifesto Comunista, por exemplo. Que bom conversar sobre um tema tão complexo com pessoas que sabem definir o que é ou não terrorismo assim de pronto: Se eu gosto da causa, pode mandar prender, bater, torturar, estuprar, matar, explodir que tá liberado, é defesa da "liberdade". Se eu não gosto, se é coisa de comunista, é tudo terrorista mesmo e merecem morrer. E isto foi só o que apareceu na página da notícia, tenho medo, muito medo, eu e Regininha Poltergeist Duarte, do que contém as páginas seguintes de comentários. Como já disse o tal do Danilo Gentili, ele quer que se foda quem foi torturado pela ditadura, nem tinha nascido e não pediu pra ninguém apanhar por ele, portanto, dane-se. Ele pode falar uma coisa dessas (num show) justamente porque pessoas apanharam e morreram, mas essa é uma reflexão muito profunda pro jovem humorista.

PS - Hoje, na Folha, a nota sobre a declaração do Amado Batista precedeu outra notícia de tortura na ditadura, ou educação de mãe pra filho (ou esquerdiotas, no caso) na opinião dos leitores do portal Folha. Era o caso do jornalista Vladimir Herzog, que morreu torturado e não pode aproveitar todo o aprendizado fornecido pelos torturadores, como podemos ver no caso do Amado.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

O melhor Corinthians da história enfrenta o pior Boca



Sim, o Amarilla é o árbitro, o Carlos, mas quem amarelou mesmo foi o meu Corinthians. Não ontem, não aqui, mas lá, em Buenos Aires, quando resolveu fazer compras, passear, curtir as livrarias, os grandes escritores - e abriu mão de jogar futebol no único jogo que realmente importava desde a partida contra o Chelsea, permitindo que o Boca jogasse aqui no Pacaembu bem a vontade, coisa que o Romarinho evitou com seu gol na Bombonera ano passado - e foi naquele lance que o Corinthians ganhou sua primeira Libertadores.  

O técnico do Corinthians, Tite, nunca fez coisa que preste antes do atual trabalho. Ano passado foi muito bem, mas as besteiras todas feitas contra o Boca o colocaram no seu tamanho, um técnico médio, como, verdade seja dita, todo técnico brasileiro no momento, coisa fácil de notar observando o Boca de outro Carlos, o Bianchi (que completou 8 vitórias em mata-mata em oito confrontos contra times brasileiros, ainda bem que o cara tava fazendo outra coisa ano passado).  O Boca é um time limitado, jogou muito mal no primeiro jogo, mas aqui soube segurar o Corinthians, se impôs como o time que ganha, que está acostumado a ganhar, mesmo com elenco muito pior. Erros do árbitro à parte, o melhor Corinthians da história nunca foi superior ao pior Boca, em dois jogos. Isso resume tudo.

Do outro lado, Tite é um treinador de futebol de hábitos estranhos, um deles é colocar o ex-jogador Douglas em quase todos os jogos importantes, via de regra no lugar do jogador do meio ou do ataque que está melhor em campo. Ontem tirou Danilo, que, se não estava bem, tem como característica, desde o São Paulo, justamente arrumar boas jogadas em jogos decisivos da Libertadores, com gols e passes, mesmo quando não parece bem. Aliás, quase marcou um gol antes de sair. Douglas entrou e fez o que tem feito há três anos, nada. Até a família do Douglas deve ficar espantada quando vê o meia na beira do campo, pronto pra entrar, mas Tite vê alguma lógica nisso. 

Com a derrota contra o Tolima, na pre-Libertadores de 2011, Tite deveria sair do comando do clube. Foi mantido, montou um time muito bom, ganhou o Brasileiro, Libertadores e o Mundial de clubes, cultivando a fama de ser um técnico que precisa de tempo pra mostrar o trabalho. Bastante tempo. Os jogos contra o Boca reforçaram essa tese do tempo e isso não é bem uma virtude. Dois anos parece ser o tempo que o técnico leva pra tomar uma decisão importante. Com o gol do Riquelme, aos 30 do primeiro tempo, e a obrigação de fazer 3 gols no Boca, Tite já deveria, imediatamente, botar em campo o Pato e o Jorge Henrique e ir pra tudo ou nada, pra que diabo esperar quinze minutos até o intervalo quando cada minuto conta tudo? Lá na Bombonera, com o time não jogando absolutamente nada, Tite deveria ter mudado já no intervalo, mas preferiu esperar levar o gol pra tirar o único jogador que estava bem (ou menos mal), o Romarinho. E, lógico, depois colocou o Douglas. Nestes jogos de mata-mata, contra um time como o Boca, perder 15 minutos pra tomar uma decisão é quase entregar o jogo. Tite entregou dois.

Claro que dois ou três erros graves do árbitro contam muito num jogo decisivo, mas no momento em que o Corinthians teria que se impôr ao Boca, mostrar que é o novo rei do pedaço na América, que é time grande, não só de paulistinha, lá no jogo de Buenos Aires, não fez nada. Riquelme, antes da primeira partida, com aquele jeito de quem não quer nada e, ao mesmo tempo, meio provocador, quando perguntado sobre a diferença ente um Boca enfraquecido e um Corinthians reforçado em relação a final do ano passado, lembrou que o Boca tem seis títulos, o Corinthians apenas 1. Pois é, por aqui acharam arrogância, não foi. Ao invés do Pato, o Timão tinha que ter contratado o Bianchi. Já passou da hora dos grandes clubes brasileiros deixarem de lado esses contratos malucos, pagando fortunas pra jogadores duvidosos e dar mais atenção ao trabalho de técnicos da América do Sul, que, diferente dos daqui, ainda pensam o futebol. Bom lembrar que é na Argentina que o Pep Guardiola vem estudar e conversar sobre futebol.

PS - Sobre os erros do Amarilla, o melhor comentário que ouvi foi do Flávio Gomes (torcedor da Portuguesa), na rádio ESPN: "pois é corintianos, vocês até hoje não sabiam o que era isto, mas é assim que acontece quando se é prejudicado pela arbitragem". Bom, agora sabemos, e em dobro, ou tríplo.

PS 2 - Jorge Henrique fez muita falta no jogo de ontem, o padre Tite poderia ter esperado essa reta final da Libertadores pra discutir o evangelho com o jogador.

PS 3 - Cássio fez sua parte na história do clube, defendeu aquele chute do Diego Souza, beleza, mas já passou da hora de arrumar um goleiro bom pra posição. Aquele lance na partida de ida onde ele, sem ninguém do Boca por perto, repôs a bola com a mão fora da grande área, arrumando, do nada, uma ótima chance pro Boca marcar, é sintomático de que a camisa 1 do Corinthians é muita coisa pra ele. Tem goleiro que sai do gol pra interceptar as bolas levantadas na sua área, tem goleiro que não sai e fica esperando embaixo da trave. O Cássio optou pelo meio termo, nem sai (bem ou mal) nem fica esperando, ele corre exatamente na direção em que, sabemos todos, ele não irá encontrar a bola, ficando sempre em algum ponto intermediário. Riquelme ontem não decidiu se cruzava ou chutava pro gol, encontrou o Cássio, como sempre, no meio do caminho. A bola não teve dúvida nenhuma.

domingo, 12 de maio de 2013

Diagnósticos imprecisos


“Joaquim Barbosa seria meu candidato definitivo à presidência da república e estou certo que ele venceria no primeiro turno” - Roberto DaMatta

Pois é, quem escreveu isto é considerado, por muitos, um dos grandes intelectuais brasileiros de todos os tempos. Gosto de diversos pensadores do campo, digamos, conservador, como Hannah Arendt, Raymond Aron, Norbeto Bobbio... mesmo discordando bastante, aprendo lendo seus textos, sempre. Diz muito, contudo, sobre como as coisas são no conservadorismo brasileiro a profunda incapacidade de diagnósticos lúcidos - e não falo aqui dos colunistas de sempre, da Cantanhêde, do Josias, Jabor, Merval ou qualquer destes, mas falo de quem dispõe de todas as ferramentas pra este diagnóstico, mesmo à direita, como é o caso do Roberto DaMatta, tornado mais um destes ultraneocons, disposto a ser usado e abusado pela grande mídia - recebendo bem, e em dia, claro, como o João Ubaldo ou o Ferreira Gullar. Gente que poderia contribuir muito pro conservadorismo local, dar algo de profundo aos toscos superficiais da grande imprensa, mas têm optado, em conjunto, pelas mesmas abordagens, pela escrita com ódio de classe (ou de partido, ou do Lula) ditando cada palavra, nunca pelo aproveitamento, nos textos ao menos, da vida inteira dedicada à cultura que os tornou conhecidos e respeitados.

Não é uma questão de gostar ou não de Lula, Dilma ou do PT no poder, mas de saber que Lula, Dilma e o PT estão no poder, isto é fato, e muita gente gosta disto, fato, não opinião. Não adianta esses ultracons enfiar a cabeça no buraco, ficar dia e noite no balcão do café society, bebericando seu whisky com soda e trocando "idéias" com gente que pensa exatamente o mesmo sobre tudo (sim, isso serve pra muita gente na esquerda também), mas assusta ver um antropólogo com grandes trabalhos  expondo algo assim tão simplório, mesmo do lado conservador.

É desejo legítimo do conservadorismo exaltar Joaquim Barbosa e sua atuação contra o PT no STF, onde, bom lembrar, foi colocado pelo governo do PT, e onde dificilmente estaria se a coalização PSDB/DEM  - que ainda luta, no próprio STF, contra as medidas adotadas pelo PT pra inclusão de negros - ainda estivesse no controle do governo federal. Isto não significa nenhum contrato de fidelidade de Barbosa - ou qualquer juiz do Supremo - com o partido que o colocou lá, mas é bom olhar em volta e ver com quem anda e de que lado a torcida organizada pró-Barbosa está na luta de classes, esta mesma luta da qual Barbosa é figura sintomática justamente pela ausência de negros em cargos relevantes. Assim como é perfeitamente legítimo quem contesta os procedimentos todos do Barbosa no Supremo, a falta de cuidado com os procedimentos no julgamento do mensalão (data de suposta conversa ocorrida meses após a morte de um dos intelocutores, por exemplo), a pressa pra atender o calendário político das eleições municipais, a arrogância no trato com colegas, intolerância com idéias e conceitos divergentes, o pagamento pelo STF pra jornalistas o acompanharem em viagens oficiais ....

É, vá lá, legítimo o desejo deste conservadorismo colocá-lo pra "bater" o PT em Brasília numa disputa eleitoral. Outra discussão, no campo não só da ética, mas também dos procedimentos legais envolvendo funcionários do poder judiciário, é se cabe aos juízes do Supremo ter papel tão explícito na política partidária (o que pode ser dito facilmente, a bem da verdade, de Nelson Jobim com o governo do PT e, antes, com o PSDB), beneficiando-se pessoalmente desta atuação. No caso de Barbosa a conta é simples: como presidente do Supremo ele tem o poder de julgar e por na cadeia a liderança do partido do governo, e então, depois do julgamento, poderia se aproveitar e disputar a presidência contra o partido que, como juiz, enfraqueceu decisivamente. Pode isso Arnaldo? Pro conservadorismo "de resultados" daqui, onde vale tudo - inclusive gente que defendeu a ditadura militar de 64 receber com pompa uma cubana pra "defender a liberdade" contra os "totalitários do PT e de Cuba" - coerência no discurso é algo completamente dispensável, o que vale é tirar o PT do poder, ponto.

Mas o que realmente espanta neste desejo disfarçado de análise (coisa que em inglês fica bem melhor com a expressão wishful thinking) do DaMatta é a total falta de contato com o mundo - ou de combinar com os russos - colocada na segunda parte da frase "estou certo que ele venceria no primeiro turno". Não acho, como vejo muitos blogueiros aí dizendo, que a Dilma ganha fácil, mas ignorar, como o DaMatta faz, um partido que vem ganhando eleição após eleição há 10 anos, incluindo Haddad na prefeitura de São Paulo, com expressivo eleitorado, já passa pra mera propaganda pura e simples, ou melhor, uma doença comum às nossas elites: a confusão, deliberada entre a retórica publicitária e a realidade, entre a propaganda de classe e o mundo das pessoas reais. Que um sujeito desprovido de capacidade de reflexão séria, como o Guilherme Fiuza ou alguém da Veja, fale essas coisas pra lamber as botas (sendo bondoso quanto a parte lambida) do chefe, vá lá, agora um pesquisador experiente, acostumado a grandes diagnósticos, confundir desejo de classe média tosca com "estou certo que ele venceria no primeiro turno", é sinal que já passou da hora de ficar só no whiskinho, botar os chinelos e deixar a tarefa dos grandes diagnósticos para pessoas como..., ahhmm, como, ....bom, acho que pra ninguém, não sei.

Só pra lembrar, quando a classe média moralista, grandes empresários e os meios de comunicação adotaram um herói quase desconhecido pra enfrentar a "ameaça vermelha" do PT que despontava, com um Lula que ainda usava uma barba descuidada e uma retórica esquerdista que realmente assustava muita gente, ainda assim, em 1989, Fernando Collor ganhou apertado de Lula no SEGUNDO TURNO, com considerável ajuda das edições amigas da Globo, do "dindo" Roberto Marinho, numa época que o Jornal Nacional ainda importava muito (hoje em dia, a bolinha de papel do Serra já era piada em poucas horas na internet, dando vergonha dos jornalistas e peritos do JN, que tentavam transformar o episódio em um ataque da Al  Qaeda petista). Quando outro Fernando, o Cardoso, bateu Lula no primeiro turno, ele era o candidato do governo, do Plano Real, enquanto Lula patinava entre a tradição do PT e a realpolitik que dominaria o partido depois de 1998 - ou seja, FHC estava na posição que hoje está a Dilma, exceto o apoio da grande mídia - que Dilma e o PT jamais terão - que foi, por exemplo, capaz de levar a tranquila eleição de 2010 prum segundo turno contra um inexistente José Serra. Não acho impossível uma vitória de Barbosa contra Dilma, principalmente com a exposição que vem tendo e o apoio previsível dos grandes grupos de mídia a qualquer candidato com maiores chances de bater o PT, mas daí a ter certeza duma vitória fácil contra um partido que está no poder e é muito bem avaliado vão muitas doses de whisky - pouco gelo e menos ainda juízo intelectual

PS - Se é pra ficar com o pensamento de um dos grandes das ciências sociais, na parede da sala onde trabalho na universidade tá escrito isto (e não sei quem pôs ali): o envolvimento da sociologia na "defesa da ordem" foi tão longe que já não põe em jogo as diferenças entre liberais, conservadores e radicais. Todos podem ser cientificamente íntegros, mas todos são, também, instrumentais para algo que transcende e nega a autonomia do pensamento sociológico.

A frase é de Florestan Fernandes, que certamente teria muitas decepções com os rumos do seu PT (partido pelo qual foi eleito deputado constituinte) - e muito provavelmente nem seria mais seu PT, mas tenho certeza que jamais veria Florestan do mesmo lado dos donos de tudo, estes que, desde sempre, trabalham para impedir que pessoas como o Barbosa ocupem cargos importantes - e agora pedem Barbosa no poder apenas pra continuar fazendo isso.



segunda-feira, 6 de maio de 2013

40

Como fiz 40 esses dias, li com atenção o texto do Michel Laub na Folha sobre isso - ele tá fazendo 40. O texto é muito bom, na forma de aforismos, dos quais lembro de alguns que, não por acaso, acho que compartilho, como: Antecipar duas diversões da velhice: falar sozinho em casa e ser rabugento em público; Sentar cedo (ou nem tanto, no meu caso) em frente ao computador, procrastinar o trabalho até o limite da catatonia; Ser pontual e, portanto, um idiota.

Em alguns, lógico, não me vejo: Não achar que o pessimismo é moralmente superior ao otimismo (eu acho, acho, e acho de novo); Aceitar que entre os defeitos dos amigos podem estar a burrice e a falta de caráter - tento, juro, mas cada vez que abro o facebook e vejo aquele velho conhecido repassando (eles adoram repassar) uma capa da Veja ou algo do tipo "o Feliciano pode ter alguma razão blablabla" continuo, com uma puta vontade de mandar o sujeito praquela que o pariu, mas agora que uma amiga, que realmente usa o facebook, me mostrou como tirar essas pessoas do meu circuito de notícias - e sem mandar ninguém pra lá onde foi parido, fiz uma limpa, sobrou uns 10 (de um total de 39, com 2 1 já na berlinda, só esperando uma escorregada pra ir pro meu limbo).

Um dos aforismos do Laub foi direto ao ponto: Ter um número razoável de parentes e amigos mortos. Resume bem, ter 40 é, pela primeira vez, ter certeza que que você está mais perto daquele lado, da morte, em oposição a aquela sensação de invulnerabilidade típica dos muito jovens. A morte, sua presença, não é mais - ou apenas - acidental, ela vai ficar ali, pertinho, hora ainda guardando uma distância segura, hora se aproximando bastante. Nada que me assuste muito, mas muda sim, em algum sentido, as percepções que até então eram sequer motivo de reflexão.

Aí você põe um terrorzão B (Stake Land) pra assistir e surge uma vovó simpática fugindo de vampiros zumbis (sim, vampiros zumbis, na dúvida entre qual entidade é mais popular hoje em dia, optaram no filme pela mescla num tipo único de criatura, se tiver continuação vão incluir os dragões de Guerra dos Tronos no mix).


Seguindo olhando pra dona ao longo do filme, você começa a descobrir sinais de reconhecimento, no olhar, na boca, no jeito de falar, peraí, humm, não é aquela? Daquele? Sim, é ela mesmo.


A Kelly Mcgillis, famosa no mundo todo pelo filme Top Gun, uma das inúmeras idiotices cometidas pelo Tony Scott. Mas, pelo menos por mim, lembrada mesmo por este filme do Peter Weir


A Testemunha, com o Harrison Ford, e ela, de amish. Não é o caso aqui destes antes/depois dos sites de celebridades, quando colocam a foto do Mel Gibson aos 20 anos no filme Mad Max ao lado de outra foto dele hoje, de preferência uma foto de flagrante de prisão embriagado, pra ficar naquela tolice do olha só, como tá acabado, barangô - parece até, falando em mundo de celebridades, que a Mcgillis saiu do armário recentemente, mas não é esse o ponto, sim ver aquela gata, que ainda ontem aparecia tirando parte da roupa, lentamente, antes do banho, mostrando o suficiente pra deixar tonto o Harrison Ford que espiava pela porta meio aberta - de repente, da noite pro dia (ou 30 anos), virada numa vovozinha.

Mas enfim, o negócio é que com os 40 as coisas mudam de patamar e começamos a ficar mais próximos da vovó Kelly Mcgillis do que da gatona Kelly Mcgillis dos 80 e o tal do cérebro, que normalmente já pega no tranco, demora pra notar esse novo patamar, se é que nota em algum momento. Dia desses uma moça do prédio veio falar algo comigo, simpática e incrivelmente bonita - e olha que estou em Florianópolis -  e que, aliás, se parece com a foto acima da Kelly vestida de amish. Quando a moça diz tchau, vai embora, aquele inevitável olhar canalha, meio de canto de olho, notando a ida da moça até onde for possível. E então, aquela voz interior apela à razão, lembra que a moça deve ter uns 24, 25 no máximo, "seu velho babão, acorda, deixa de ser tiozão". Prefiro, contudo, a outra voz interior, a que assobia junto, pelo menos mentalmente, ignorando solenemente a verdade dos fatos, da moça ter só pedido uma informação pro "senhor" que mora no mesmo prédio, e ter sorrido numa simpática condescendência. Ou não?

Justiça

Manchete de hoje: depois de 17 anos começa o julgamento de acusados da morte de PC Farias.

A ausência completa de algo próximo de justiça na Justiça - em todas as instâncias - ajuda a entender muita coisa por aqui.

PS - Vejo na blogosfera que, ao final de reportagem assinada em O Globo, aparece a frase: a repórter viaja a convite do Supremo. Ou seja, a última instância da Justiça brasileira acha normal pagar pruma jornalista viajar e cobrir um evento. O Globo acha normal aceitar. E eu quero um lugar no hospício.

E tá cheio de picareta publicando livro aí dizendo que o "julgamento do mensalão mudou a história do país", tá bom.

PS2 - O Jânio de Freitas na Folha, comentando a declaração de Joaquim Barbosa (de que três grandes jornais dominam a midia impressa inclinados à direita) disse o seguinte: A "imprensa se inclina para a direita" e o Judiciário se inclina para a inutilidade social, pois. O que dá no mesmo, como inclinação.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sociopata sem sorte


Dessas coincidências da vida, abri a internet numa manhã e vi essa foto do Sebastião Salgado, que mostra o atentado sofrido por Ronald Reagan em 1981. Nem tinha idéia que o Salgado tava por lá. A noite coloquei um seriado que tinha baixado, The Americans. Logo no terceiro (acho) episódio o assunto é justamente o tiro dado em Reagan. Não tava esperando muito da série, mas gostei do que vi até aqui (5 episódios).


O episódio do tiro no presidente dos Estados Unidos foi muito bom, mostrando o frenesi todo dos agentes da KGB operando dentro dos EUA, os lendários agentes do Diretório S (ao menos pra quem lê livros de espionagem), agentes infiltrados por longos períodos, treinados pra parecerem exatamente como os cidadãos do país espionado ("falam inglês melhor que nós", nas palavras de um agente do FBI na série) - e que deram margem ao discurso de caça as bruxas dos Macartismos, o medo inflado do espião que mora ao lado, que trabalha com você, que frequenta sua casa, toma uma cerveja no seu churrasco. E é aí que quero ver onde vai essa série, afinal tem como heróis dois espiões soviéticos e suas missões em território americano, vivendo como uma perfeita família americana, destas de subúrbio (que lá é classe média) com um casal de filhos adolescentes (que não sabem da vida oculta dos pais). Afinal, sabemos todos como termina essa guerra fria, sabemos que os caras da KGB vão perder,  capturados, mortos ou, como é provável na série, convertidos ao hamburger com coca. Um dos agentes já mostrou que tá louco pra pular fora, que no fundo gosta dos americanos e seu way of life, enquanto a agente vivida pela Keri Russel, fica puta com o marido (ou colega) e diz que prefere morrer pela União Soviética. Não é muito difícil prever, com o decorrer da série, qual dos dois vai prevalecer, já que, afinal, é uma série feita por e para norte-americanos. Isso dito, até aqui fizeram boas escolhas, com o clima retro dos 80, as rotinas de espionagem e contraespionagem, com seus códigos, sinais, protocolos, coisas normalmente deixadas de lado em séries e filmes ou então simplificados em clichés de tal forma que ser espião infiltrado em um país hostil parece dia de aula na high school (Alias, Chuck, Covert Affairs, Nikita, por exemplo).

No episódio dedicado ao tiro dado em Reagan mostraram a correria do FBI procurando envolvimento da KGB, afinal Reagan tinha endurecido muito o discurso contra o "império do mal", prometendo destruir a União Soviética. Do outro lado, a correria da KGB tentando entender o que tinha acontecido. O foco foi um fato imediatamente após o atentado, a declaração do secretário de estado, Alexander Haig, de que tinha o "controle da Casa Branca". O que isso significava exatamente? Era uma ameaça? Um golpe (já que o vice-presidente era o Bush pai)? A reação soviética - e a proporção desta reação - dependeria do tipo de informação passada pelos agentes do Diretório S.

Mas confesso que outro lado da coisa ficou martelando na minha cabeça. John Hinckley, o cara que tentou matar Reagan, conseguiu - ou quase - sozinho o que poucos comandos militares conseguiriam se tentassem. Hinckley penetrou - veja a foto do Salgado - numa das couraças protetoras mais caras e treinadas do mundo, ferindo gravemente o presidente dos Estados Unidos, dois agentes do serviço-secreto e o secretário de imprensa. E fez tudo isso pra chamar a atenção desta garota:


A jovem atriz Jodie Foster, do filme Taxi Driver, que, saberíamos depois, não daria a mínima pra alguém como o Hinckley, com atentado ou sem atentado.