Sou corintiano. A torcida do meu time foi diretamente responsável pela morte de um garoto de 14 anos, o boliviano Kevin Beltrán. Ponto. O time foi punido, obrigado a jogar sem público. Pena grave prum time famoso pela união com a torcida. Insuficiente - como qualquer pena - pra reparar o crime de seu torcedor. Diferente de outros eventos, como shows, com platéia e banda, onde também ocorrem confusões com mortos e feridos, a torcida organizada dos grandes clubes no Brasil é alimentada e protegida pelos clubes, patrocinada com ingressos e viagens, mesmo após batalhas campais contra torcidas rivais registradas pela polícia. O clube é, dessa forma, responsável sim pelo comportamento selvagem da sua torcida organizada.
Isto dito, as imagens do jogo do Corinthians contra o Millonarios da Colômbia - o primeiro, em teoria, da aplicação da punição ao time - registraram a presença de quatro figuras devidamente fantasiadas de torcedores no estádio. Ganharam, os quatro, como "consumidores", na Justiça, uma liminar dando-lhes o direito de ir ao Pacaembu. Pagaram caro pelos ingressos, entraram na Justiça e, menos de uma semana depois, ganharam - não sem gastos muito maiores - sua ação. Em resumo, a Justiça, essa que chora por excesso de trabalho - embora seja uma das que mais corroem a verba pública com seus marajás legalizados (e aplicadores de lei, inclusive) -, em poucos dias se deu o trabalho de garantir aos quatro filhinhos de papai o direito de desrespeitar uma punição motivada pela morte de um garoto de 14 anos.
Temos aí um retrato perfeito das disneylandias onde habitam nossa elite - os filhinhos de papai e o judiciário com seus marajás todos. Não duvido, especulando, que estes quatro sejam do tipo que assinam essas manifestações de internet contra a corrupção, a queda do cara da CBF, que pedem o Joaquim Barbosa pra presidente, o afastamento do Renan e outras tantas babaquices inócuas, mesmo à esquerda, que fazem hoje pra se achar politizados no facebook. Digo inócuas não pela causa, independente de qual, mas pela evidente preguiça mental que faz assinar qualquer coisa que "pega bem", e, em contrapartida, dar sustento, no comportamento pessoal, a todas as práticas que os abaixo assinados de internet condenam.
Esses quatro torcedores, supostamente fanáticos pelo Corinthians, foram avisados que, indo ao jogo, poderiam ampliar a punição ao seu clube e, por extensão, prejudicar todos os corintianos. Não bastou. A ausência de torcida no jogo é uma punição pela morte de um garoto, uma tentativa de justiça, questionável ou não, mas ir ao estádio era também um foda-se se morreu um garoto, eu tenho dinheiro, comprei e vou. Foda-se. E alguém, um juiz no caso, concordou com o foda-se se morreu alguém.
O crime cometido em Oruro, a morte de Kevin, foi gravíssimo e acabou por revelar uma faceta ainda pior no jogo de ontem com seus quatro cretinos como torcida: uma elite de debilóides, que quer que se foda se matam ou não um garoto, e é sustentada - em tudo - pelo poder judiciário. Mas essa análise ninguém vai fazer. Se fizer, vai ser processado. E vai perder.
Para quem acha que o juiz apenas protegeu o consumidor, lembrei de alguns anos atrás, quando a Brasil Telecon inventou uma conta que eu já tinha pago (com comprovante apresentado no PROCON e tudo) e ficou me cobrando por meses, ligando em casa em qualquer horário (domingo de manhã, quarta depois das 22h), mandando cartas pra casa onde eu nem morava mais, ameaçando SPC e essas coisas. Seguindo a recomendação do PROCON fui ao juizado de pequenas causas e descrevi o processo todo, sem advogado mesmo, e sem muito tempo pra perder, mas achei tão claro o abuso de uma empresa ficar cobrando uma conta mesmo já tendo recebido cópias do comprovante de pagamento que, mesmo com toda desconfiança do judiciário, não achei que ia ter muito problema. Mas teve. Muito tempo depois do prazo pra casos de pequenas causas, a empresa (que vai quando quer nas audiências) alegou que errou de boa fé e eu é que estava com má fé, querendo dinheiro fácil (enquanto, no mundo real, eu prejudicava meu doutorado e pedia apenas o valor recomendado no tribunal de PEQUENAS causas, seguindo orientação do PROCON). E o juiz concordou com a empresa. Não me cobraram a conta de novo, que era muita cara-de-pau, mas a empresa não pagou nada. Hoje vejo a Oi, atual Brasil Telecon, sendo multada quase todo dia pela agência reguladora. Que surpresa. Imagino quanto abuso passou pela justiça nos últimos anos sem nenhum incômodo pra empresa. Vai respeitar as pessoas pra quê? Mas esse é apenas um caso pequeno (sem contar o histórico de impunidade que ocasiona hoje um serviço caótico na telefonia), ninguém morreu, mas deixou evidente o que eu e qualquer um já sabíamos: justiça não funciona, e as consequencias desse buraco negro na regulação das nossas vidas é muito grande - em todos os cantos, na formação de partidos políticos, na ação do executivo e legislativo, na absoluta incapacidade de uma obra custar um preço justo....na impunidade pra rico como regra.
Enquanto isso os quatro idiotas, amparados pela justiça, tavam lá, comemorando gol, pulando com celular na orelha - pra pular exatamente quando alguém avisa que estão aparecendo na TV, essas coisas toscas todas que formam a cultura dos donos de tudo por aqui. Ah, parece que eram, dois ao menos, parente do Gobbi, diretor do Corinthians. Perfeito. Lugar ideal pra blogueira cubana vir em sua "caravana pela liberdade" contra a ditadura em Cuba, acompanhada (e patrocinada) exatamente pelas pessoas que aqui deram sustento pra 20 anos de ditadura. E isso parece não ser nenhum paradoxo.
PS - O Leandro Fortes, falando da promotora que acusou os jovens que ocuparam a reitoria da USP de formação de quadrilha (protesto só pode pela liberdade que agrade os donos de tudo, quando não agrada, cadeia), lembrou dessa indústria de concursos públicos que movimenta milhões no Brasil - os concurseiros. Gente, via de regra, com tempo, apoio e dinheiro pra frequentar por anos cursinhos preparatórios e passar nos concursos que oferecem salário maior, não importa exatamente pra fazer o que - como é o caso dos promotores, juízes, técnicos da Receita Federal ... gente que vai decidir o que pode ou não no país, só isso. Se o concurso público é melhor do que o apadrinhamento político pra preencher vagas, já está ficando evidente que deve ser melhorado, incluir além de questões técnicas outras formas de avaliar a aptidão dos candidatos pra "coisa púbica", do tipo: quer só ganhar dinheiro? Vai trabalhar por Eike. Aqui vai ter que ralar pra atender o interesse da população, do povo. Sei que parece abstrato, mas há formas de avaliar com alguma objetividade o que o candidato pensa do interesse público, prevendo e impedindo, por exemplo, a contratação de pessoas sem nenhum preparo pra tratar de assuntos complexos, como a referida promotora, que chamou os alunos da USP de quadrilha e achou tranquilo tuitar xingamentos ao PT como qualquer leitor da Veja, e disse que o que faz no privado não é da conta de ninguém, sem entender que ocupa um cargo de Promotora de Justiça. E o mais grave é que nunca vai entender.
PS 2 - Leio no UOL que o perito que atestou o excesso de velocidade no carro dirigido pelo Thor Batista, que matou um trabalhador que voltava pra casa de bicicleta, foi afastado das funções. Pecou. Pecado grave, trabalhou pra Justiça, não pra justiça minúscula.
PS - O Leandro Fortes, falando da promotora que acusou os jovens que ocuparam a reitoria da USP de formação de quadrilha (protesto só pode pela liberdade que agrade os donos de tudo, quando não agrada, cadeia), lembrou dessa indústria de concursos públicos que movimenta milhões no Brasil - os concurseiros. Gente, via de regra, com tempo, apoio e dinheiro pra frequentar por anos cursinhos preparatórios e passar nos concursos que oferecem salário maior, não importa exatamente pra fazer o que - como é o caso dos promotores, juízes, técnicos da Receita Federal ... gente que vai decidir o que pode ou não no país, só isso. Se o concurso público é melhor do que o apadrinhamento político pra preencher vagas, já está ficando evidente que deve ser melhorado, incluir além de questões técnicas outras formas de avaliar a aptidão dos candidatos pra "coisa púbica", do tipo: quer só ganhar dinheiro? Vai trabalhar por Eike. Aqui vai ter que ralar pra atender o interesse da população, do povo. Sei que parece abstrato, mas há formas de avaliar com alguma objetividade o que o candidato pensa do interesse público, prevendo e impedindo, por exemplo, a contratação de pessoas sem nenhum preparo pra tratar de assuntos complexos, como a referida promotora, que chamou os alunos da USP de quadrilha e achou tranquilo tuitar xingamentos ao PT como qualquer leitor da Veja, e disse que o que faz no privado não é da conta de ninguém, sem entender que ocupa um cargo de Promotora de Justiça. E o mais grave é que nunca vai entender.
PS 2 - Leio no UOL que o perito que atestou o excesso de velocidade no carro dirigido pelo Thor Batista, que matou um trabalhador que voltava pra casa de bicicleta, foi afastado das funções. Pecou. Pecado grave, trabalhou pra Justiça, não pra justiça minúscula.
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