quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Os Idiotas


Sou corintiano. A torcida do meu time foi diretamente responsável pela morte de um garoto de 14 anos, o boliviano Kevin Beltrán. Ponto. O time foi punido, obrigado a jogar sem público. Pena grave prum time famoso pela união com a torcida. Insuficiente - como qualquer pena - pra reparar o crime de seu torcedor. Diferente de outros eventos, como shows, com platéia e banda, onde também ocorrem confusões com mortos e feridos, a torcida organizada dos grandes clubes no Brasil é alimentada e protegida pelos clubes, patrocinada com ingressos e viagens, mesmo após batalhas campais contra torcidas rivais registradas pela polícia. O clube é, dessa forma, responsável sim pelo comportamento selvagem da sua torcida organizada.

Isto dito, as imagens do jogo do Corinthians contra o Millonarios da Colômbia  - o primeiro, em teoria, da aplicação da punição ao time - registraram a presença de quatro figuras devidamente fantasiadas de torcedores no estádio. Ganharam, os quatro, como "consumidores", na Justiça, uma liminar dando-lhes o direito de ir ao Pacaembu. Pagaram caro pelos ingressos, entraram na Justiça e, menos de uma semana depois, ganharam - não sem gastos muito maiores - sua ação. Em resumo, a Justiça, essa que chora por excesso de trabalho - embora seja uma das que mais corroem a verba pública com seus marajás legalizados (e aplicadores de lei, inclusive) -, em poucos dias se deu o trabalho de garantir aos quatro filhinhos de papai o direito de desrespeitar uma punição motivada pela morte de um garoto de 14 anos.

Temos aí um retrato perfeito das disneylandias onde habitam nossa elite - os filhinhos de papai e o judiciário com seus marajás todos. Não duvido, especulando, que estes quatro sejam do tipo que assinam essas manifestações de internet contra a corrupção, a queda do cara da CBF, que pedem o Joaquim Barbosa pra presidente, o afastamento do Renan e outras tantas babaquices inócuas, mesmo à esquerda, que fazem hoje pra se achar politizados no facebook. Digo inócuas não pela causa, independente de qual, mas pela evidente preguiça mental que faz assinar qualquer coisa que "pega bem", e, em contrapartida, dar sustento, no comportamento pessoal, a todas as práticas que os abaixo assinados de internet condenam.

Esses quatro torcedores, supostamente fanáticos pelo Corinthians, foram avisados que, indo ao jogo, poderiam ampliar a punição ao seu clube e, por extensão, prejudicar todos os corintianos. Não bastou. A ausência de torcida no jogo é uma punição pela morte de um garoto, uma tentativa de justiça, questionável ou não, mas ir ao estádio era também um foda-se se morreu um garoto, eu tenho dinheiro, comprei e vou. Foda-se. E alguém, um juiz no caso, concordou com o foda-se se morreu alguém.

O crime cometido em Oruro, a morte de Kevin, foi gravíssimo e acabou por revelar uma faceta ainda pior no jogo de ontem com seus quatro cretinos como torcida: uma elite de debilóides, que quer que se foda se matam ou não um garoto, e é sustentada - em tudo - pelo poder judiciário. Mas essa análise ninguém vai fazer. Se fizer, vai ser processado. E vai perder.

Para quem acha que o juiz apenas protegeu o consumidor, lembrei de alguns anos atrás, quando a Brasil Telecon inventou uma conta que eu já tinha pago (com comprovante apresentado no PROCON e tudo) e ficou me cobrando por meses, ligando em casa em qualquer horário (domingo de manhã, quarta depois das 22h), mandando cartas pra casa onde eu nem morava mais, ameaçando SPC e essas coisas. Seguindo a recomendação do PROCON fui ao juizado de pequenas causas e descrevi o processo todo, sem advogado mesmo, e sem muito tempo pra perder, mas achei tão claro o abuso de uma empresa ficar cobrando uma conta mesmo já tendo recebido cópias do comprovante de pagamento que, mesmo com toda desconfiança do judiciário, não achei que ia ter muito problema. Mas teve. Muito tempo depois do prazo pra casos de pequenas causas, a empresa (que vai quando quer nas audiências) alegou que errou de boa fé e eu é que estava com má fé, querendo dinheiro fácil (enquanto, no mundo real, eu prejudicava meu doutorado e pedia apenas o valor recomendado no tribunal de PEQUENAS causas, seguindo orientação do PROCON). E o juiz concordou com a empresa. Não me cobraram a conta de novo, que era muita cara-de-pau, mas a empresa não pagou nada. Hoje vejo a Oi, atual Brasil Telecon, sendo multada quase todo dia pela agência reguladora. Que surpresa. Imagino quanto abuso passou pela justiça nos últimos anos sem nenhum incômodo pra empresa. Vai respeitar as pessoas pra quê? Mas esse é apenas um caso pequeno (sem contar o histórico de impunidade que ocasiona hoje um serviço caótico na telefonia), ninguém morreu, mas deixou evidente o que eu e qualquer um já sabíamos: justiça não funciona, e as consequencias desse buraco negro na regulação das nossas vidas é muito grande - em todos os cantos, na formação de partidos políticos, na ação do executivo e legislativo, na absoluta incapacidade de uma obra custar um preço justo....na impunidade pra rico como regra.

Enquanto isso os quatro idiotas, amparados pela justiça, tavam lá, comemorando gol, pulando com celular na orelha -  pra pular exatamente quando alguém avisa que estão aparecendo na TV, essas coisas toscas todas que formam a cultura dos donos de tudo por aqui. Ah, parece que eram, dois ao menos, parente do Gobbi, diretor do Corinthians. Perfeito. Lugar ideal pra blogueira cubana vir em sua "caravana pela liberdade" contra a ditadura em Cuba, acompanhada (e patrocinada) exatamente pelas pessoas que aqui deram sustento pra 20 anos de ditadura. E isso parece não ser nenhum paradoxo.

PS - O Leandro Fortes, falando da promotora que acusou os jovens que ocuparam a reitoria da USP de formação de quadrilha (protesto só pode pela liberdade que agrade os donos de tudo, quando não agrada, cadeia), lembrou dessa indústria de concursos públicos que movimenta milhões no Brasil - os concurseiros. Gente, via de regra, com tempo, apoio e dinheiro pra frequentar por anos cursinhos preparatórios e passar nos concursos que oferecem salário maior, não importa exatamente pra fazer o que - como é o caso dos promotores, juízes, técnicos da Receita Federal ... gente que vai decidir o que pode ou não no país, só isso. Se o concurso público é melhor do que o apadrinhamento político pra preencher vagas, já está ficando evidente que deve ser melhorado, incluir além de questões técnicas outras formas de avaliar a aptidão dos candidatos pra "coisa púbica", do tipo: quer só ganhar dinheiro? Vai trabalhar por Eike. Aqui vai ter que ralar pra atender o interesse da população, do povo. Sei que parece abstrato, mas há formas de avaliar com alguma objetividade o que o candidato pensa do interesse público, prevendo e impedindo, por exemplo, a contratação de pessoas sem nenhum preparo pra tratar de assuntos complexos, como a referida promotora, que chamou os alunos da USP de quadrilha e achou tranquilo tuitar xingamentos ao PT como qualquer leitor da Veja, e disse que o que faz no privado não é da conta de ninguém, sem entender que ocupa um cargo de Promotora de Justiça. E o mais grave é que nunca vai entender.

PS 2 - Leio no UOL que o perito que atestou o excesso de velocidade no carro dirigido pelo Thor Batista, que matou um trabalhador que voltava pra casa de bicicleta, foi afastado das funções. Pecou. Pecado grave, trabalhou pra Justiça, não pra justiça minúscula.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Escolhas

Não costumo assistir os canais abertos. Não é frescura, mas acho tudo muito bobo mesmo. Sem cabo, a minha TV fica restrita aos filmes e séries baixados da internet ou na netflix (e um pouco de videogame). Mesmo os jogos de futebol, tento ver na TV mas com som do rádio ou da internet, com paciência zero com os narradores e comentaristas da globo/band - o que torna incompreensível o exílio do Milton Leite no Sportv, enquanto os malas do Luis Roberto, Galvão e Cleber Machado (esse menos mala até, mas a parceria com o Caio Ribeiro e Gaciba e seus clichés todos derruba a transmissão) assombram o futebol da globo. Duro de entender mesmo é essa opção da TV pela afetação extrema. Assisti o jogo Fluminense  x Grêmio ontem com o insípido Luis Roberto narrando e, talvez no clima do carnaval recém finado, o onipresente camarote de celebridades, comandado pelo Alex Cala a Boca Escobar. Não entendo mesmo essa opção pelas celebridades vazias (tiro dessa lista, obviamente, o mítico Chico Diaz, que estava no camarote, camisa do fluminense, meio deslocado, até pelo chocolate aplicado pelo Grêmio), pra ilustrar "a emoção do torcedor apaixonado". Não têm milhares de torcedores apaixonados de verdade no estádio? Pra que ficar mostrando o fulano da novela das 8? Não pode ser uma pessoa comum a ter emoções verdadeiras. Não, tem que ser um ator de segunda linha da Globo (fora o Chico Diaz) - que não consegue passar emoção nem no seu papel na malhação, que dirá vendo futebol - pra mostrar pra quem vê futebol pela TV o que é torcer de verdade. Precisava mesmo do Mocotó ou sei lá quem pra me ensinar a torcer.

Um exemplo dessa afetação tornada obrigatória é o próprio Escobar, um comentarista até divertido no Sportv, virado, agora na Globo, num bobão supremo, na linha quanto mais engraçadinho sem cérebro melhor que contamina o esporte no canal. Dunga cometeu muitos erros na seleção, mandar o Escobar calar a boca não foi um deles. Além da afetação, uma sonolência mental domina as informações e comentários das transmissões globais. O repórter de campo (essa função completamente inútil)  Eric Faria (o que sai comemorando gols de times cariocas, faltando só entrar na dancinha) "revelou" que o grande "intelectual" Carlos Alberto Parreira chamava o meia Zé Roberto de "facilitador", lá na distante copa de 2006 (a mesma que o técnico intelectual permitiu que um ataque com dois jogadores pesando 120 kg cada afundasse o time). O termo facilitador é já velho conhecido do mercado de charlatões que povoam as palestras motivacionais, Luis Roberto, claro, adorou a novidade e passou a referir-se ao pobre Zé Roberto (o melhor em campo, junto com Barcos) como facilitador. É a clara escolha da Globo, tendo Milton Leite, Maurício Noriega e Paulo Vasconcellos escondidos no time do Sportv, pela estupidez afetada na sua transmissão. É futebol pra quem vota no Big Brother, que irrita quem só quer ver um jogo de futebol. A escolha foi esta e, claro, não fica restrita ao futebol.

Acordo no dia seguinte, faço o que nunca costumo fazer, ligo a TV. Passa um programa chamado Bem Estar (ou algo assim) na Globo, a matéria é sobre a importância de comer feijão, com pessoas de jaleco dizendo pras pessoas de casa (eu incluso) o que elas devem comer, como, quanto, de que forma, com que cor, com que acompanhamentos... - numa espécie de religião disfarçada, com pastores de jaleco te iluminando o caminho da sabedoria do prato de feijão. Pra dar o clima da matéria, duas repórteres mostravam, em restaurantes do Rio e São Paulo, o hábito "brasileiro" (sempre é o brasileiro, esse ser único materializado) de comer feijão todo dia. Absolutamente tudo é falado da maneira mais afetada possível, a repórter de São Paulo então, parecia que estava num palco de um musical da Broadway, com gestos, caras e bocas. Nada é dito com simplicidade e informação, tudo tem que ser teatral, superlativo, importantíssimo, fatal...Prestem atenção em mim, por favor, não olhem pro outro lado - parece implorar a retórica hiperativa.

Isso tudo deve ser a norma hoje na TV, a julgar pela minha vontade de vomitar, em contraste com a tranquilidade que vejo todo mundo acompanhando na boa - e me olhando com estranheza, talvez pela cor verde da minha cara pré-vomito no momento, e clara impaciência, comigo, que só quero desligar a TV.

PS - Soube dia desses que a globo colocou uma tal de Luiza Possi, uma cantora pop dessas, pra comentar  (!) a transmissão de futebol. Que fase, diria Milton Leite. Assim até o Neto da band vira um João Saldanha.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A tortura de ler James Patterson

Terminada a tese algum tempo atrás, fui procurar um tipo de leitura que me fazia muita falta: a novela policial. Como tava por fora da coisa, dei um google e descobri alguns autores da moda,  um tal Stieg Larsson e sua trilogia Millenium e um cara chamado  James Patterson com uma porrada de livros. Li os livros do Larsson na boa, gostando de algumas coisas, não gostando de outras, achando o personagem principal (o jornalista) um tremendo bocó, gostando da ciberpunk mas meio de saco cheio dos seus superpoderes, bom passatempo, nada mais, nada menos, com um ponto considerável: o bom clima nórdico pra esse tipo de histórica, com seu frio e perversidade oculta na aparente normalidade duma sociedade com boa distribuição de renda. Esses dias caiu na minha mão um livro do Patterson, O 5° Cavaleiro. Pelo sobrenome achei, a princípio, que fosse da estirpe dos autores de livros de crimes daquele canto da Europa. Errado, é americano, "o autor de suspense número 1 do mundo" diz a capa, devia ter sacado a encrenca e, na verdade, já estava com o pé atrás pela edição do livro, bem ruinzinha, mas li uma coisa meio elogiosa na Folha sobre o Patterson e coisa tal, vamos ver.  Ainda bem que não paguei. Talvez a pior coisa que já tentei ler na vida.


Não consegui chegar até a metade e não gosto de ser injusto, pode ser que seja seu pior livro, pode ser que a segunda metade que não consegui atingir seja excepcional, mas duvido muito. Pela porcaria imensa que vi até aqui é pouco provável. O livro de pouco mais de 200 páginas é dividido em uns 100 capítulos. Média de duas páginas por capítulo. Aliás, olhando bem, parei na página 91, capítulo 65, uma página e meia por capítulo. Se tenho que dar parecer prum texto acadêmico, vejo de cara os métodos de enrolação pra dar volume mínimo, uma página e meia por capítulo é pra charlatão de autoajuda nenhum botar defeito. Só por isso já vale um adeus definitivo, é muita falta do que dizer pra alguém que, supostamente, quer contar algo.

Cada parágrafo é uma exposição de dois ou três clichés, cada frase é um lugar comum, cada personagem é descrito com profundidade de colunista de cultura da grande mídia que "viajou a convite da empresa tal". Deve ser a fase romance policial pra leitores de Crepúsculo. Os diálogos são inacreditáveis, quase todos com uma palavra escrita com letras repetidas, como nããããooo, juraaaaaa, dando o perfeito tom pruma conversa de adolescentes afetadas - pro que seria uma reunião de superprofissionais com mais de trinta anos, incluindo aí uma tenente de homicídios, uma médica legista, uma jornalista e uma advogada, todas super-bem-sucedidas, supercompetentes e todos todos os super possíveis. Cada nããããooo escrito dessa forma e posto num diálogo dói na cabeça de quem lê (e já passou dos dez anos de idade). No mais, crimes rotineiros (pra livros de suspense), trama banal e - o verdadeiro crime do livro - todos os personagens são insuportavelmente chatos. Sabe aquele conhecido, profissional muito bem-sucedido no mercado financeiro, advogado ou coisa do tipo, que senta na tua mesa no bar e só fala banalidades? Pois é, todos os personagens do livro são variações dessa pessoa chata. Crimes e trama podem, eventualmente, melhorar na metade final - até porque piorar vai ser difícil. Os personagens certamente não vão ficar menos chatos, e isso mata o livro.

Não gosto de parar um livro no meio, vou respirar fundo, quem sabe consigo vencer a outra metade, mas deu de cair na mão As Benevolentes do Jonathan Littell e, putz, não vai rolar voltar pra porcaria do Patterson. Crime por crime vou ficar com os da SS na Segunda Guerra. Sei bem que são mundos e pretensões diferentes, que o Patterson nunca vai querer escrever coisa séria, ganhar os prêmios que o Littell ganhou, tá feliz da vida vendendo um monte, mas cresci lendo Agatha Christie, Conan Doyle, John Le Carré...e, convenhamos, dá pra fazer coisa muito boa nesse mundo do suspense popular. Patterson não dá.

Ufa!